Tronco com olhos
A noite daquela sexta-feira estava
quente, muito quente. O sono parecia ter feito greve aos serviços mínimos e o Alfredo
não conseguia já aguentar a cama. Tudo lhe dava comichão e incómodo.
Levantou-se.
Após 5 anos de seca extrema em que, à
semelhança de muitos outros casos, a Lagoa de Santo André quase desapareceu,
deixando desorientados os profissionais que dela dependiam economicamente, seis
meses de chuvas diluviais chegaram para repor, não só os níveis das barragens nacionais,
como os leitos de todos os rios, ribeiras e lagoas portuguesas.
Na opinião dos técnicos, a pluviosidade
registada nos primeiros quatro meses deste inesperado período de precipitação
teriam sido suficientes para anestesiar os efeitos da seca que se viveu – os
restantes já excederam as capacidades de armazenamento dos caudais, gerando um
cenário de cheias um pouco por todo o país.
Não estando imune a esta circunstância
meteorológica, a Lagoa de Santo André excedeu largamente os seus limites (ainda
que aberta ao mar), alagando estradas e vales limítrofes, quase entrando na
porta do monte onde o Alfredo vivia.
Ele sentia que, independentemente de
qualquer outra consideração, havia alguma excentricidade em tudo isto, que o
emocionava.
Nessa noite malfadada o Alfredo e a sua
insónia saíram de casa. Veio ao alpendre e acendeu um charro.
Ficou a olhar o brilho tranquilo das
águas a 2 metros da sua porta, mas o luar intenso que nessa noite se fazia
sentir permitiu-lhe perceber, ao fundo do inesperado lago, o teto de uma
qualquer construção, anteriormente subterrânea, agora exposta pelo redesenhar das
dunas que as cheias provocaram na paisagem à sua volta, parecendo-lhe, neste
acumular de bizarrias, que morava num outro local, noutro planeta.
O cocktail formado pela excitação de ter
descoberto um edifício, pela dura e implacável insónia que o atormentava, por
não ter trabalho agendado para o dia seguinte e, muito provavelmente, pelo
psicadélico abrir de portas do THC, convidava-o a algo mais do que à simples
contemplação. “Tenho de ir explorar aquilo.”
Entrou em casa, agarrou nos óculos de
mergulhador, fechou a porta de casa e guardou a chave debaixo do tijolo
habitual. A lua iluminava tanto, que nem levou lanterna.
Não custou nada a entrar na água.
O Alfredo era engenheiro químico e trabalhava
numa das empresas do complexo industrial de Sines, que até lhe tinha previsto
um apartamento. A sua personalidade, porém, levava-o a querer morar longe de
qualquer buliço urbano, tendo encontrado esta casa isolada, de difícil acesso,
mas perto do mar.
Mergulhar não era uma atividade muito
significativa na sua vida, acontecia-lhe de forma muito esporádica, quase
sempre por impulso, e desta vez parecia que estavam reunidas as condições para
que não resistisse ao apelo do vale inundado.
Apesar da claridade da noite, o turvo
das águas que não previra, afinal reduzia a visão subaquática. Dava para ver
alguma coisa, mas não com nitidez.
Nadou até perto do edifício e chegou
facilmente ao topo do mesmo, para o qual subiu, aproveitando para fazer o ponto
da situação. Mergulhou então até ao fundo e deparou-se com uma porta aberta com
uma placa onde se lia KL23, por onde espreitou para avaliar. Antes de entrar
achou que era melhor voltar à superfície para encher os pulmões e depois, sim,
desceu, nadou pela porta e viu-se numa divisão cheia do equipamento típico de
um laboratório.
Uma outra porta aberta permitiu-lhe
aceder a um outro espaço, interior, que ficara com uma bolsa de ar junto ao
teto. Acedeu-lhe e conseguiu respirar. Ainda mais escura, esta sala continha
caixas impermeáveis, umas amontoadas no fundo, outras, mais pequenas, a
flutuar. Resolveu pegar numa das mais pequenas e levá-la consigo. Passou pelas
duas portas e subiu à superfície.
Uma vez em casa, deixou cair as cortinas
antimosqueteiras e ligou a luz. A caixa que trouxera continha 3 envelopes com o
carimbo CONFIDENCIAL. Para uma pessoa exploradora e curiosa como o Alfredo, que
melhor petisco que um conjunto de informação secreta. Escusado será dizer que
passou o fim-de-semana todo de volta dos papéis que encontrou.
Todos os envelopes que abriu continham
informações relativas a duas reuniões, supostamente secretas, entre as mais
altas instâncias do poder nacional e dos EUA, que abrem alguns vazios na
compreensão histórica. Porém, para além de dados circunstanciais, nada havia
nos documentos sobre os objetivos dessas reuniões.
Sobre a primeira é apontado o ano de
1971, referindo-se à cimeira que teve lugar em solo açoriano, na ilha Terceira,
entre Richard Nixon (presidente dos EUA) e Georges Pompidou (presidente da
França), tendo sido recebidos publicamente por Marcelo Caetano, o então
Presidente do Conselho do Estado Novo. Os documentos reportavam-se a toda a
logística para pôr em ação a cimeira, questões como o alojamento e a segurança,
mas não se cingiam às movimentações oficiais, de que há conhecimento público e
que o Alfredo confirmou após algumas pesquisas.
Todos os documentos obtidos no KL23 sobre
esta primeira reunião implicavam uma operação, não em 2 momentos, como seria de
prever, mas em 3: a chegada (com a já referida receção de Marcelo Caetano aos
estadistas estrangeiros), a cimeira propriamente dita e, inesperadamente, um
segundo encontro, secreto e à margem da cimeira, entre Marcelo Caetano e Nixon.
Sobre a segunda reunião havia o mesmo
tipo de documentação, essencialmente logística, reportando-se ao ano de 1975,
novamente nos Açores, mas desta vez com o já presidente democrático português
Costa Gomes e o seu homólogo americano Gerald Ford.
No domingo à tarde, Alfredo já tinha
espremido tudo o que era possível da caixinha de surpresas que trouxera do
edifício, descoberto pelo movimento das areias nas cheias. Ficara com um
sentimento agridoce, pois sentia-se extremamente excitado pelas descobertas,
dado o secretismo envolvido, mas faltavam-lhe muitas peças para compreender o
objetivo dos encontros.
Tinha de regressar ao fundo do lago, mas
agora com o equipamento necessário.
Durante a semana não pôde lá voltar, mas
mal chegou a sexta-feira voltou à água, para investigar o que lhe pareceu ser
uma descoberta, por enquanto, apenas sua. A situação catastrófica que as cheias
provocaram deixava as autoridades ocupadas e, pelo que lhe parecia, ainda ninguém
tinha vindo para aqueles lados.
No entretanto reuniu alguma documentação
que lhe permitiu concluir que Gerald Ford, em 1975, dirigia-se para Helsínquia,
à Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa, quando, sob pretexto de
uma aparentemente inesperada correção técnica, fez escala em São Miguel.
Para evitar atrair atenções sobre este
seu projeto “privado”, Alfredo não partilhou com ninguém a sua investigação e
esperou que a noite chegasse para voltar para dentro de água.
Indo diretamente à divisão de onde
trouxera a caixa impermeável dos documentos, recolheu as que pôde, aproveitando
a bolsa de ar aprisionada no teto da casa para ir recuperando o fôlego,
evitando, desta forma, ter de voltar à superfície sem concluir o seu objetivo.
Logo da primeira vez que entrara naquele
edifício submergido, teve uma sensação de presença, como se estivesse a ser
observado. Apesar de se tratar de um incómodo irracional, sentia que devia ser
rápido e sair dali o quanto antes.
Desta vez, quando ainda se encontrava a
recolher caixas, sentiu novamente que não estava sozinho, pois
a luz que vinha do exterior não se manteve contínua como antes, mas foi, aqui e
ali, interrompida, como se algo passasse à frente da porta e tapasse a pouca
claridade que entrava.
Tendo-se apercebido desta interferência
na luminosidade, Alfredo desligou a lanterna e ficou sossegado à espera de que
algo acontecesse. Em vão. Não presenciou o que quer que fosse que, tirando a
fauna habitual e alguns objetos indefinidos arrastados pelas águas, comprovasse
que não estaria completamente sozinho.
Considerou a hipótese de alguém estar a
par das suas investidas. De facto, ele andou durante a semana a fazer algumas
perguntas sobre as datas a que se referiam os envelopes que trouxera da
primeira vez. Tinha de ter mais cuidado com o Big Brother. Apesar de não ter
contado a ninguém das suas investigações, as perguntas que andara a fazer, bem como
as pesquisas online, poderiam tê-lo denunciado.
Nestas novas embalagens que conseguiu
trazer do fundo do lago, do edifício KL23, no meio de muita documentação
dispersa e aparentemente irrelevante, alguma completava a que recolhera da
primeira vez. Apesar de ainda lhe faltarem peças (o que ia sentindo sempre que o
seu pensamento, suportado pelos documentos submergidos, avançava) com o que
reunira nesta última recolha, conseguia já formular algumas teorias sobre o
objetivo destas instalações, associadas, por arrasto, à própria criação do
complexo industrial e portuário de Sines.
Um recorte de um jornal da época
informava que, aquando da vinda aos Açores, Nixon andava comprometido na luta
contra um certo tipo de atrofio hormonal, que se tornava cada vez mais vulgar
no cidadão médio americano e que tinha como efeito mais comprometedor a
inibição do crescimento. Os melhores laboratórios americanos, recrutados para o
efeito, precisavam de estar mais perto da Europa, pois os estudos apontavam
para a forte possibilidade de inserir, na fórmula de tratamento, um certo
componente aquático abundante no mar Mediterrâneo.
Além disso, rígidas limitações legais
americanas impediam que nos EUA os seus próprios laboratórios pudessem realizar
as suas experiências com a urgência que o momento ditava. Portugal, ao invés,
não estando, na altura, ainda numa democracia, tinha uma constituição que,
perante certos estímulos, sabia ser bastante flexível. Consolidava-se, nesta
coincidência de circunstâncias, o cenário ideal ao matrimónio das intenções.
No pensamento de Alfredo, este parecia
ser o motivo da reunião secreta entre Nixon e Caetano, em 1971. Além do mais, num
envelope encontrado eram atestadas transferências de verbas avultadas,
respondendo à necessidade de liquidez do governo de Marcelo Caetano para arrancar
com o projeto do complexo industrial de Sines.
Pareceu-lhe então óbvio que em 1971
tenha sido feito um pacto secreto em que Nixon financiaria, substancialmente, a
indústria nacional tendo, em contrapartida, a garantia de Marcelo Caetano quanto
à instalação de um laboratório-zona-franca completamente secreto, governado pelos americanos, sem qualquer tipo
de interferência nacional.
Um registo comentado de uma escuta da CIA
revelava, porém, a preocupação de Marcelo Caetano quanto ao desviar do
propósito inicial de Nixon. Segundo o que foi possível apurar, este terá
aproveitado a possibilidade de agir livre e secretamente num laboratório sem
restrições éticas, o KL23, para recuperar agendas, proibidas em solo americano.
Outras experiências estariam a ter lugar, que não as necessárias ao problema
hormonal que estaria a assolar os EUA. Marcelo Caetano chega a pôr em causa a
veracidade da epidemia publicitada por Nixon.
Sobre o encontro, igualmente
confidencial, de Gerald Ford com Costa Gomes, em 1975, não há muita informação,
tudo indicando que tenha tido como único objetivo a confirmação da manutenção
do pacto secreto que manteve (até à década de 1990) o laboratório KL23 ativo.
Suspeita Alfredo que Ford terá apoiado financeiramente os democratas, aquando
da Revolução dos Cravos, contribuindo para evitar que Portugal se transformasse
em mais um bastião do império soviético.
Ao que parece, de acordo com um plano de
segurança, Costa Gomes encontrou-se com Ford no próprio avião deste, para não
dar muito nas vistas. Além do mais, o plano de segurança foi elaborado com
algumas semanas de antecedência ao encontro, pelo que cai por terra a ideia de
paragem acidental e imprevista.
Algumas pesquisas mais enviesadas
levaram Alfredo a confirmar tudo o que as suas suspeitas ditavam.
As escutas registadas revelam que o
poder norte-americano monitorizava a situação nacional, ao ponto de conseguir
obter informações ao mais alto nível, o que permite deduzir que também
estivesse a par das movimentações de Abril. Fica, quanto a esta questão, a
dúvida sobre se Ford saberia do MFA desde o início ou se, apercebendo-se do que
se passava, decidira intervir, não com o receio de que Portugal viesse a ter um
governo democrático de esquerda, mas que esse governo derivasse para o
autoritarismo, na linha ditatorial da URSS.
Ao
Alfredo, porém, a quem a História nacional nunca teve um interesse
significativo, o que despertava mais curiosidade, do desabafo de Marcelo
Caetano, tinha a ver com as “outras” experiências levadas a cabo no laboratório
KL23.
Para além das informações de teor mais
politizado e reveladoras de movimentações de bastidores, um último envelope
deixou o Alfredo intrigado. Nele constavam apenas dois pequenos blocos de
apontamentos com reflexões escritas à mão, sobre dois temas distintos, a
Sociedade Elomórfica e o Adenoma Somatotrófico.
Sobre a Sociedade Elomórfica, fundada na
década de 1940 por cientistas biotecnológicos, em plena II Guerra Mundial, com
nítidos objetivos militares, alguns apontamentos sublinhavam o facto de esta
comunidade de cientistas encarar a enguia como a mais eficaz estrutura viva. Da
obra são retiradas notas, com aplicações médicas, sobre metamorfose celular,
com destaque para o aparelho reprodutor da enguia (identificado inicialmente
pelo italiano Carlo Mondini, em 1777). Porém, também é estudada a sua forma de
locomoção, provavelmente para a criação de veículos.
Sobre o “Adenoma Somatotrófico”, apenas
2 ou 3 citações, mas significativas, sobre como fortalecer e alimentar a
hormona do crescimento, com referências relacionadas com a acromegalia e os
seus efeitos de crescimento descontrolado.
Apesar de começar a fazer alguns
cruzamentos sobre os interesses de Nixon, no KL23, Alfredo sentia que precisava
de mais um mergulho para se esclarecer. “Só mais um, depois deixo o assunto.”
Ao entardecer de mais um dia de trabalho,
pegou no seu equipamento de mergulho e foi até ao laboratório submergido.
À medida que se aproximava da entrada do
edifício, ia-se apercebendo de um volume estranho, que parecia depositado no
fundo do lago, perto da porta. Imediatamente lhe pareceu um tronco de uma
árvore, não fora a dificuldade em, de repente, um tronco aparecer ali, assim,
do nada. Tendo em conta que tinham passado poucos dias desde que mergulhara da
última vez, não parecia possível que aquele tronco ali estivesse, a não ser que
fosse o rasto inesperado de alguém que, como ele, andasse a investigar o
edifício... mas um tronco?
Aproximou-se com cautela, dando a volta
pelas traseiras do edifício, tentando perceber se estaria ou não acompanhado.
Rodeou o laboratório, mas quando se aproximou da porta o suposto tronco já não se
encontrava lá.
Sentiu, então, uma pancada forte nas
costas e, quando conseguiu recuperar o norte, algo lhe puxava as
pernas para baixo. Tentou, naquelas frações de segundo, perceber o que era, mas
a nuvem de sedimentos que se levantara, provocada pelo movimento no chão
lodoso, impedia-o de ver o que quer que fosse.
Foi, então, puxado para dentro da terra,
num movimento brusco que o impediu de reagir. Sentiu um crescente aperto esmagador pelas
pernas acima, como se estivesse a ser engolido.
Ladeado pelos técnicos, quer da área do
turismo, quer da área do ambiente, o representante do poder local de Vila Nova
de Santo André inaugurou, com pompa e circunstância, mas alguma cautela nas
palavras, o Centro de Investigação Extraordinária (CIE) da Lagoa de Santo
André. Reproduzimos um excerto do seu discurso:
“Não subestimando a importância de toda
a cultura ambiental do nosso ecossistema, já assumida pelas diferentes entidades
que a ela se dedicam, adicionamos uma nova abordagem, movida pelos
acontecimentos recentes, que tentará, em função do perfil genético da nossa
Lagoa, interpretar a ou as novas formas de vida que têm sido avistadas, com o
objetivo de nos esclarecer, definitivamente.”
Para além do inventário biológico
assegurado pelo CIE da Lagoa, outras medidas estão a ser tomadas no sentido de organizar
a comunidade de criptozoólogos que, no entretanto, se fixou desordenadamente
nas margens da Lagoa de Santo André.
As medidas anunciadas pretendem complementar
dois universos de intenção aparentemente opostos.
Por um lado, há que satisfazer as
exigências dos ambientalistas, para quem este avolumar descontrolado de
curiosos significa pouco mais do que perturbações ao ecossistema.
Por outro lado, importa referir que esta
é uma zona onde o turismo é essencialmente balnear, pelo que é apenas nos meses
de bom tempo que os agentes económicos locais beneficiam deste movimento humano
que gasta generosamente. Assim, se tem havido algum decréscimo turístico, por
causa das recentes interdições recreativas à Lagoa, espera-se que o poder local
não perca de vista a possibilidade de estimular este outro tipo de visitantes,
que não se circunscreve ao verão, mas que se desloca durante todo o ano e cuja
recente movimentação de divisas já se faz sentir, positivamente, no comércio
local.
Após intensas negociações e, segundo
moradores, “alguma prepotência política”, foram disponibilizados terrenos nas
margens da Lagoa onde já está a ser montado um acampamento que permitirá, não
só acomodar alguns estudiosos, mas também, através de observatórios, permitir,
de forma controlada, a vigilância constante que estes ditos cientistas exigem
como base das suas investigações.
Desde que um estúdio de imagem, em 2005,
conseguiu, através de uma nova técnica desenvolvida na Venezuela, decompor as
fotografias-base de toda a crença no plesiossauro escocês e provar que não se
tratava de um só corpo, mas de uma combinação de sólidos distintos, que Nessie
deixou de continuar a suscitar entusiasmo. A própria Nessie Foundation, assumindo
a sua incapacidade em provar a existência da criatura, viu-se obrigada a catalogar
Nessie como um criptídeo.
O desalento provocado pelo processo de
desacreditação das provas fotográficas não fez, contudo, desanimar os
entusiastas do lago, desviando temporariamente a sua atenção para a questão
geológica. Ou seja, apesar de as imagens deste réptil marinho terem ficado
reduzidas a um nível geral de interesse quase insignificante, a possibilidade
de um animal pré-histórico ter alguma vez estado no lago continua a ser suportada
por novas teorias, desta vez tendo em conta o fundo do próprio lago. Ou seja,
os avistamentos que duram desde o século VI continuam a servir de alimento à
possibilidade de, não só um, mas vários Nessies terem vivido nos abismos de
Ness ao longo dos tempos.
A nova tese, que anda ainda a ser
discutida nos círculos entusiastas do tema, baseia-se na disparidade de datações
do fundo do lago.
A 90% do seu solo subaquático foi
atribuída a idade de aproximadamente 400 milhões de anos, situando-o no período
Fanerozoico.
Há, porém, no mais fundo abissal do
lago, uma pequena área onde diferentes camadas sedimentares revelam uma
atividade regular de sobreposição, iniciada há 180 milhões de anos, no
Jurássico Inferior, com intervalos de 3 a 5 séculos.
Nos relatórios do Centro Geológico
Internacional (CGI), porém, não é apresentada nenhuma conclusão sobre estes possíveis
abatimentos do solo, pois faltam “estudos e equipamento para recolher a
informação necessária”. Apoiam, no entanto, a tese de que os sedimentos são as
cíclicas novas camadas que foram tapando os buracos, até novo abatimento.
No último International Meeting of Loch
Ness, em 2018, a comunicação final apresenta conclusões e dúvidas relevantes.
Sobre as dúvidas foram estabelecidos planos de estudo, cujos resultados serão
apresentados no encontro seguinte, agendado para 2023.
Uma dessas tentativas de confirmação baseia-se
na teoria da bolsa intraterrestre. De acordo com esta linha de pensamento, deverá
existir uma caverna no interior do planeta que, de alguma forma, manteve
intactas algumas condições do Jurássico Inferior, suficientes para manter viva
esta linha de sauropterígeos pré-históricos, um certo tipo de réptil gigante e
carnívoro, caracterizado por um pescoço longo e cabeça pequena, Nessie.
Numa área específica, de maior erosão, o
teto dessa caverna intraterrestre coincidirá com o fundo abissal do Lago Ness.
Quando, nos intervalos identificados, o fundo de Ness abate sobre a bolsa do
Jurássico, abre uma porta de acesso intermundos, permitindo durante um breve
período de tempo (estimado em meses), a passagem de novos Nessies, renovando a
sua presença no lago.
Chamou a atenção o facto de um dos
sedimentos ter sido datado do séc. VI, justamente a data do primeiro
avistamento registado (ano 565).
Foi, então, estabelecido, um plano de
investigação com o objetivo de perceber se há algum paralelo entre as datas dos
testemunhos de aparições ao longo dos tempos e as idades atribuídas aos restantes
sedimentos do fundo de lago, correspondentes a abatimentos de terra e
consequentes aberturas de passagem intermundos.
Em suma, neste momento o interesse
associado a Nessie não passa já tanto por avistá-lo, mas por pesquisas paleontólogas,
no encalce de vestígios da sua presença.
É justamente este esgotar do tema que
provocou o movimento dos caçadores de monstros em direção a Portugal, mais
propriamente à Lagoa de Santo André, no concelho de Santiago do Cacém, Setúbal,
assim que se aperceberam do fenómeno.
Um morador de Brescos, aldeia perto,
numa deslocação noturna à lagoa, afirmou ter visto sair da água uma coisa que
lhe pareceu ser um tronco de uma árvore grossa, mas com olhos.
Inicialmente, enquanto se tratou de um
caso isolado, foi tomado como uma brincadeira e muitas anedotas se criaram
associadas ao título “Tronco com olhos”.
Quando os desaparecimentos se foram avolumando e mais testemunhas foram dando a cara, com melhores e mais detalhadas descrições, mais esse tronco com olhos passou a fazer sentido, sendo evidente a sua semelhança a uma enguia mutante que, pelas proporções calculadas, poderá ter de 15 a 25 metros de comprimento.
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