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Pentir, 15 poemas do séc XXI



Apresento-vos o projeto “Pentir”

A ele me dediquei nos últimos tempos.

 

Por contingências familiares, fiz o meu 12º ano em Tomar. Durante esse ano conheci bem a cidade e rapidamente me encaixei num grupo de nabantinos que me aceitou e do qual guardo belíssimas memórias. Nunca mais voltei a Tomar, o tempo passou e os contactos perderam-se. Todos com exceção do Edgar, o Edgar Xisto, meu colega de turma. Com ele, desde os primeiros momentos, afinei frequências e mantive um contacto regular apesar das décadas irem passando.

Um acidente de viação, há pouco mais de dois anos, levou-nos o Edgar. Antes, pouco tempo antes, passou por Sto André a caminho do Algarve. Almoçámos juntos e pusemos a conversa em dia. Felicitei-o pessoalmente pelo êxito do seu abstracionismo, mas ouvi dele a vontade de sair do jogo. Queria apenas fazer uma última publicação de um livro dos seus últimos pentátrios (sobrepostos em fotografias). Com isso fecharia um ciclo. Pretendia passar a ser Foto-Jockey a tempo inteiro, mas que na altura certa me contaria os detalhes.

O infortúnio impedi-lo-ia de concretizar o seu projeto, os seus projetos.

Sabendo da sua intenção, contactei os editores e, com o seu apoio, avancei para a publicação desta coleção, póstuma, de originais do Edgar Xisto, realizando o seu desejo.

Além dos 15 poemas selecionados, contamos com duas introduções: uma pelos já referidos editores, que sempre o acompanharam, e a republicação da introdução de "Como eu gosto de nuvens", assinada pela investigadora Dra Khalidah Janan, sua amiga, "atualizada" pela própria para este efeito.

Finalmente, consegui permissão da Time Art Today, uma das mais populares publicações de arte contemporânea mundial, para acrescentar, em jeito de terceira introdução, excertos de uma longa entrevista feita ao Edgar.

 

Resta-me agradecer a todos os que permitiram a concretização deste projeto e aspirar pelo vosso-nosso prazer ao desfrutá-lo.

 

Que os limites do direito à diferença nunca sejam definidos por quem não o pratica.

 

Rui Teresa, 2023




Prezados leitores

 

Desde o pioneiro “Como eu gosto de nuvens, 3 poemas para sentir” que as ideias, as motivações e as formalidades dos Poemas-para-sentir de Edgar Xisto (EX) foram vertiginosamente ampliadas, dando origem ao já incontornável movimento literário, Abstracionismo 21.

Apesar da dimensão mundial e dos seus já inúmeros subgéneros, sintoma da vitalidade do movimento, EX é e será sempre homenageado como o rastilho que nos libertou da "estagnação poética dos significados” (palavras suas).

Mantendo-se fiel à forma (o Pentátrio - estrofes com 5, 4, 3, 2 e 1 versos) que inventaria para dar a conhecer o seu universo, os Poemas-para-sentir, dedicou-se, nesta sua última década de produção, exclusivamente a escrever, a experimentar o abstracionismo como destino aglomerador de toda a sua criatividade.

Nesta coletânea, “Pentir”, encontram-se os 15 poemas mais emblemáticos dos seus últimos dois anos de atividade, o último e único período, da sua carreira, que faltava documentar. Parabéns ao Rui Teresa pela iniciativa.

Dois natais antes da sua morte, EX enviou-nos uma curta, mas significativa mensagem, onde assume o lado emotivo e até algo ingénuo com que sempre alimentou os seus argumentos e que, com todo o prazer, partilhamos convosco:

“Resistir ao terrorismo do sentido único é ser nómada permanente, mas sem perceber onde e porque se viaja. É dar valor a tudo, é não ter preferências e de tudo gostar. Obrigado, meus amigos, por terem acreditado desde o início. É muito bom ser nómada convosco.”

Concluímos esta breve introdução com uma citação da prestigiada Time Art Today (que o entrevistou várias vezes), aquando do primeiro aniversário da sua morte:

“Há um ano deixou-nos Edgar Xisto, o abstracionista português, considerado, pelos principais comentadores culturais da atualidade, o promotor de um dos primeiros grandes debates no pensamento estético-literário do século XXI. A originalidade do seu contributo, que transforma o sentido-fixo num leque fluido e descontrolado de possibilidades, tende a esvaziar e animalizar o leitor, ignorando, de forma magistral, qualquer noção de eficácia.”

  

Os editores




“Pentátrios primordiais”

 Edgar Xisto (Portugal, 1968-2020)

 

Éramos ainda muito jovens quando, pela primeira vez, nos cruzámos. Edgar era autor de fenómenos e eu caçadora dos mesmos. Nesse puzzle de criação e fundamentação nos complementámos e sedimentámos uma amizade que durou até ao fim dos seus dias.

Entre tantos escritores da época, ele salientava-se por entender a incompreensão do real como um cenário fértil, resistindo à solução de usar a imaginação para explicar o incompreensível. Assumindo essa incapacidade de assimilar o todo, Edgar Xisto foge à tentação de procurar respostas, celebrando a ignorância intelectual como um passaporte à exploração dos sentidos e do sentir, glorificando a imperfeição do ser humano na reinvenção de um tempo mitológico e sensorial, paradoxalmente anterior à invenção da palavra.

Posicionando-nos na cronologia literária universal, o universo concetual destes Pentátrios, que Edgar nos oferece, tem raízes numa pequena franja do modernismo europeu do início do séc XX, uma certa poesia vanguardista e experimental defensora de uma relação cada vez mais consciente e simbiótica entre o Homem concreto e material e o texto abstrato e libertador.

Na conceção destes “Poemas-para-sentir” (como o próprio autor os designou) está definido o objetivo que empurra o poema para o campo da abstração, que exacerba o lado do sentir nisso de ler e que em tudo se assemelha à relação que estabelecemos com um quadro abstrato, onde a sensação se sobrepõe à figuração.

Ler não no sentido de descodificar, ler não no sentido de refletir, mas ler no sentido único de sentir, consolidando a explosão de todos os fatores relativos. A escrita como motor do indizível, a sintaxe como motor do indecifrável, a palavra como motor de sensualidade improvável.

Como quem escolhe tonalidades, Edgar Xisto pinta paisagens lexicais em verso. Convida-nos a esquecer o sentido das palavras com que sempre nos confortámos. Convida-nos a reviver o ground-zero da nossa própria memória

sentindo o texto

no sentir que (ainda) nos é.

  

Khalidah Janan

uma amiga

  


Time Art Today - É claro que uma conversa com Edgar Xisto implica imediatamente falar de abstração. Sabemos que no seu percurso artístico nunca tinha manifestado esta preocupação pela abstração, ou pelo menos de forma tão assumida. Porquê esta viragem?

Edgar Xisto - Sim, podemos dizer que durante muito tempo me preocupei com a completa reformulação formal e temática. Sempre entendi o que fazia como momentos únicos, irrepetíveis, sem qualquer enquadramento no restante. Porém, com uma dessas experiências tive uma relação diferente, mais reveladora, que me seduziu completamente.

 

TAT - Abstrata?

EX - Sim, mas abstrata como ponto de partida, sem nenhuma vinculação ao abstracionismo interpretativo. Ou seja, ainda que o processo criativo seja abstrato, abre duas portas de acesso: numa, nada impede o leitor de estabelecer relações de sentido na leitura que faz; noutra, o leitor pode deixar-se guiar pela relação de som, grafismo e sequência que o poema proporciona, sem lhe atribuir nenhum significado consciente.

 

(...)

 

TAT - Aquando do lançamento de “Como eu gosto de nuvens, 3 poemas para sentir”, deu uma emblemática entrevista onde explicou os fundamentos da sua teoria sobre os Poemas-para-sentir, dando origem, de forma quase imediata, a um movimento literário que hoje é conhecido por Abstracionismo 21. Que repercussão teve tudo isto na sua obra?

EX - Refreou a minha produção literária. Deixei de ter todo o tempo só para criar, tive de dividi-lo com todos os convites que me foram chegando, de todas as partes do mundo. Toda a gente tinha curiosidade em saber mais sobre os Poemas-para-sentir, o que eu atribuo a esta necessidade, cada vez mais consciente, que as pessoas têm em equilibrar o racional com o irracional, o explicável com o indizível, o assertivo com a indecisão.

 

(...)

 

TAT - Num depoimento seu anterior, apontou a falta de criatividade como a principal razão para fruirmos uma obra e imediatamente identificarmos o seu autor. Justificava assim a constante mudança de paradigma de obra para obra. Neste momento, contudo, a sua produção alinha sempre pela mesma referência formal e temática. Como integra isto na sua afirmação?

EX - Nessa fase, antes de me ter cruzado com a abstração, vivia a criação de forma experimentalista, interessava-me muito viver coisas sempre novas, viciei-me nessa adrenalina. Quando inventei os Pentátrios mudei de paradigma. Troquei o absolutismo da criatividade por um certo tipo de conservadorismo formal, troquei o ímpeto pelo argumento. Sim, de momento, a minha obra padece de falta de criatividade, assumo-o. Deixou de me importar, faço por fazer, repito até à exaustão, até ao bocejo.

 

(...)

 

TAT - E como é ser um poeta abstrato em Portugal?

EX - Não poderei responder enquanto representante de uma categoria, porque não me sinto mandatado pelos muitos abstracionistas portugueses que conheço. Quanto a mim, logo desde o “Como eu gosto de nuvens” encontrei uma editora com a qual ainda trabalho. Por parte da crítica nacional houve alguma incompreensão inicial, algum receio de substituição, os eternos fantasmas dos pensadores normativos. Quando os ecos do estrangeiro começaram a chegar de forma incontornável, o país apercebeu-se do fenómeno e aceitou-o bem. Os críticos acabaram por perceber que afinal há espaço para todos. Se, nos primeiros tempos, os Poemas-para-sentir eram apreciados apenas por um público insatisfeito com o panorama literário vigente, hoje dilui-se por todos os consumidores de literatura.

 

(...)

 

TAT - “FEELINGS & WORDS - Edgar Xisto and the Abstractionism 21” é o título da primeira exposição mundial de poesia abstrata, a inaugurar em Nova Iorque dentro de dias. Logo pelo nome percebemos a importância reconhecida do seu trabalho. Vai estar presente?

EX - Sim, aceitei o convite do museu para ser o visitante número 1 do evento. Vão ser dois meses repletos de momentos interessantes. Lá encontrará trabalhos meus juntamente com os trabalhos de todos aqueles que, mundialmente, acrescentaram muito valor à poesia abstrata. Há os que aparecem em quadros (como os meus), nas paredes, mas também há projeções holográficas, poemas em tapetes, fotografias de graffitis com poemas abstratos por esse mundo fora, declamações, vídeos, os tetos também foram pintados com palavras soltas, aleatórias. Ainda que me reconheçam como ponto de partida, a dimensão de toda a exposição permite perceber que o Abstracionismo 21 vai muito além de mim, por campos impensáveis, de uma criatividade irreprovável. O que me satisfaz, claro.

 

TAT – Sendo, então, óbvio que ficará uma marca sua na evolução do pensamento literário, de que forma gostaria que o efeito EX se fizesse verdadeiramente sentir no público que o lê?

EX – O que eu gostaria mesmo era que cada leitor conseguisse, através da literatura, tirar férias de si próprio, apesar de não ter a certeza de o meu contributo ir nesse sentido, ou de ter força suficiente para tal. Vejamos, o fim de semana, as férias, aquele copo ao fim do dia, ou mesmo o ato de dormir, são essenciais para equilibrar a vida. Somos confrontados, socialmente, com a necessidade (válida, não digo que não) de nos afirmarmos, de termos a noção do que somos e do que representamos. Este exercício constante precisa de equilíbrio, isto de estarmos constantemente cheios de nós próprios só é legitimado se houver contraditório. Transpondo para a literatura, não devíamos procurar só os autores consagrados, as edições especiais, os temas habituais. Essa ideia de que como só tenho uma vida devo escolher bem os livros que leio é falsa. É justamente porque só tenho uma vida que não devo perder a oportunidade de experimentar, de fugir ao aplauso previsível, de enfrentar a angústia da indefinição. A literatura não tem de ser só lida, pode ser vivida.






Além do som


Alternativa-sinon


Antes fosse


Cansada de frades


Garfos que voltam


Mãos de fumo


Monarca memória


Nada talvez


O nome que está


O pavão mudo


Quando as folhas racham maçãs


Respondeu o poente de bolso


Tanto por saber


The matrix


Vou sem os que não vão


término

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