Arquivo
Municipal de Santiago do Cacém . 1976 junho
“Na
neorromântica Igreja de Nossa Senhora da Abela, do século XIX, aquando das
comemorações do seu centenário, que ocuparam todo o mês de junho de 1976, o
povo foi confrontado com o horror de ver profanada, de forma
incompreensivelmente violenta, alguma da estatuária decorativa, nomeadamente uma
imagem da mãe de Cristo a combater um dragão. Nesta simbólica representação da
vida a lutar contra o seu extermínio, a cabeça da virgem fora arrancada enquanto
a restante escultura se encontrava enrolada num emaranhado de fios de telefone.
Este
acontecimento, logo entendido por alguns como um sinal simbólico e penalizador,
levou ao adiamento da procissão que iria decorrer nesse domingo, dia 20, para
dar lugar às investigações, imediatamente exigidas por António Elias Simões, natural
da Abela e Presidente da Comissão Administrativa de Santiago do Cacém,”
-
Jornal
O Leme . 2000 agosto
“Durante
o início deste mês de agosto ainda decorreram as últimas negociações entre a
Câmara Municipal de Santiago do Cacém, a Junta de Freguesia de Santo André, o
Ministério do Ambiente e a organização ambientalista Quercus, com vista à
criação da Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha.
Durante
os últimos seis meses, variados técnicos da CAC (Comissão de Análise à
Candidatura) visitaram o local para presenciar a realidade dos documentos em
discussão, definindo, com as entidades, o tipo de reserva que melhor servirá este
ecossistema e as populações em redor, oficializando-o em documento, assinado,
publicamente e na passada quinta-feira, nas margens da Lagoa de Santo André, numa
das últimas cabanas de colmo que ainda permanecem de pé, herança das gentes que
aqui se fixaram no séc XIX, oriundas do distrito de Aveiro.
Ultrapassadas
as barreiras à criação da Reserva, dos relatórios da CAC, acompanhados
entusiasticamente pela população local, ficar-nos-á na memória, sem dúvida,
entre outras singularidades, um episódio que ficou conhecido como o Caso das Garrafas.
Em
8 locais diferentes e inesperados foram encontradas e fotografadas um total de
12 garrafas vazias, tendo-se, nalguns casos, conseguido provar que momentos
antes as mesmas não se encontravam lá.
O
mais curioso, contudo, nem chega a ser a circunstância dos seus aparecimentos incompreensíveis,
mas o facto, mais bizarro ainda, de todas as garrafas e respetivos rótulos serem,
comprovadamente, do séc XIX e todos de bebidas americanas, como R White’s
Lemonade, Dr Pepper e Pemberton’s French Wine Coca.”
Pacífico
Maria Figoldes
Caros
leitores, desde que as Nações Unidas e a organização cultural Eixo Solto
arrancaram com o seu Programa Internacional de Acordos Pontuais (PIAP), que
bastantes temas têm estado a ser desenvolvidos globalmente e os mais curiosos
gabinetes têm sido criados, como o dos Criptídeos, o da Colonização Espacial
Subterrânea, o das Impossibilidades Geofísicas e o dos Fósseis Futuristas.
O
PIAP publicou durante o mês passado, na sua página oficial, o habitual
relatório anual de atividades, onde não pudemos deixar de reparar nos elogios
agradecidos ao contributo que o português Yama-GIP tem dado, na resolução de
muitos mistérios do mundo. Só o gabinete das Impossibilidades Geofísicas refere
36 contribuições decisivas dos GIP, internacionalmente, 8 das quais atribuídas
ao nosso Yama-GIP.
Foi
justamente para tentar perceber que instituição é esta que leva o nome do nosso
país além fronteiras, quase desconhecida por cá, que decidi entrevistar a Dra
Francisca Ament Luiz, coordenadora-médium do Yama-GIP, sediado na costa
alentejana, nos interiores perdidos do mais extenso concelho português,
Odemira.
Pacífico
Maria Figoldes – Quero, antes de mais, agradecer a sua disponibilidade, pois
sei que tem a agenda extremamente preenchida. Aliás, foi difícil conseguir que
alguém do Yama-GIP pudesse falar comigo, pois todos têm muitos casos em mãos.
Começo, desde já, por lhe perguntar o que faz um GIP, no sentido, também, de
perceber que tipo de serviço é esse que tanta procura tem.
Dra
Francisca Ament Luiz – Sim, de facto, andamos cheios de trabalho. O único outro
GIP a operar em Portugal, o Alfé-GIP, em Trás-os-Montes, passou a dedicar-se
inteiramente à investigação laboratorial, pelo que, de momento e em toda a
Península Ibérica, só nós fazemos serviço público.
Chamamo-nos
Yama-GIP, nome composto por Yama (divindade hindu da morte) + Grupo de
Intervenção Paranormal, e, como trabalhamos com a atividade post mortem, no
nome de qualquer agente GIP há sempre um avatar extraído de mitologias da
morte, no meu caso é o apelido Ament, em homenagem a uma divindade egípcia do
além. Somos uma divisão da ONEK (Ordem Neokardecista mundial), por isso
definimo-nos como espíritas neokardecistas, o que quer dizer que temos Allan
Kardec como ponto de partida, mas distinguimo-nos, não só de outras doutrinas
de semelhante área de intervenção, como o Umbanda, os Roustanguistas e os
Racionalistas Cristãos, mas também do próprio Kardecismo original, por termos
eliminado a Moral do trinómio das formas clássicas do conhecimento (Ciência, Filosofia
e Moral), com todas as suas implicações.
P
– São então uma organização espírita neokardecista, um Grupo de Intervenção
Paranormal. Intervém, portanto, não no mundo, dito, normal, mas no paranormal,
ao nível dos espíritos, mas intervém como? São procurados por clientes? É a
ONEK que vos dá o plano de ação? Trabalham para outras organizações? O que faz
exatamente um GIP ou, particularizando, o que tem feito o Yama-GIP?
F
– Um GIP é um grupo de cientistas operacionais, que trabalha com conceitos
bastante técnicos, pouco conhecidos do cidadão médio. Não será eficaz explicar
em detalhe as nossas ferramentas, por isso, proponho-lhe o seguinte:
Uma
vez que todas as intervenções espirituais de um GIP só são concluídas com a
elaboração de uma Conclusão e, por coincidência, um dos casos referidos no
relatório anual do PIAP, inteiramente resolvido por nós, aconteceu cá em
Portugal, aqui mesmo, perto da nossa sede, no concelho de Santiago do Cacém, e
se eu lhe fosse fazendo um pequeno resumo dessa Conclusão, aproveitando a
boleia para irmos esmiuçando alguma da terminologia utilizada?
P
– Excelente. Avance.
F
– Dois anos atrás, por volta do dia 2 de novembro, o casal Rui e Sandra, em Vila Nova de Santo André, apercebeu-se de uma pequena mancha no
teto da sua sala de estar, que atribuiu à humidade, até mesmo porque a casa
onde ainda habitam tem historial nesse sentido.
Mais
ou menos a partir do dia 10, a suposta mancha de humidade desenvolveu-se em
três formas distintas, uma redonda e pequena ao centro, ladeada de duas
elípticas e mais longas, assemelhando-se muito à silhueta de uma ventoinha de
teto.
Na
mesma sala, no dia 13, mesmo por baixo das manchas, apareceram duas folhas de
papel amarrotadas, cada uma com uma lista escrita à mão, ao jeito de listas de
compras ou de ingredientes.
Numa
podíamos ler nomes como “óleo de néroli”, “coentros”, “extrato de baunilha”,
“fluido de coca” e “óleo de limão".
Na
outra só se encontrava a palavra “mercadoria” repetida, mas numerada:
“mercadoria 1”, “mercadoria 2“, até à “mercadoria 9”. Contudo, dois dos números
diferenciadores das ditas “mercadorias” apareciam riscados, o 6 e o 9.
Antes
de nos envolver, o casal pedira uma avaliação técnica às manchas, tendo-lhes
sido negada, pelos peritos, qualquer possibilidade de terem sido causadas pela
humidade.
P
– E porque é que eles vos contactaram, quero dizer, com que justificação?
F
– Tendo contado o sucedido em grupo de amigos, que os conhecem como um casal
não sobrenaturalista, mas aberto ao inverosímil, alguém lhes sugeriu os nossos
serviços, no sentido de os ajudar a perceber os acontecimentos.
P
– E depois, que passos deram?
F - Além
da fotografia que tirámos, como prova, da curiosa composição de manchas no
teto, eles facultaram-nos as folhas, amarrotadas, com as listas.
Depois
de termos pesquisado, em variadíssimas fontes, combinações dos ingredientes da
primeira lista, todos os resultados apontaram para a receita original da
Coca-Cola, não a que se usa hoje em dia, mas a original, do séc XIX. Entre
outras razões menos sonantes, o facto de ainda conter “fluido de coca”
desatualizava a receita, impossibilitando a sua relação com os tempos de hoje,
já que em 1903 o “fluido de coca” (cocaína) foi substituído por “folha
descocainizada de coca”, passando desde então a ter um efeito apenas
aromatizante.
Antes
de qualquer conclusão precipitada, ainda enviámos uma foto da primeira lista ao
historiador americano Mark Pendergrast, autor do livro “Por Deus, pela Pátria e
pela Coca-Cola”. Em resposta, Pendergrast não só nos confirmou que na lista, de
facto, constavam os ingredientes da receita original, a primeira, como, pela
análise que fez à caligrafia, não teria reservas em afirmar que fora escrita
pelo próprio inventor da bebida, John Pemberton, situando-a, portanto, na
década de 1880.
Sobre
a segunda folha, durante as pesquisas que fizemos à história da Coca-Cola,
conseguimos estabelecer um paralelo com uma história mal explicada de uma lista
onde dois de 9 ingredientes terão sido excluídos para não facilitar a cópia
(exclusão simbolicamente representada pelo facto de 2 números da lista das
“mercadorias” aparecerem riscados). Confirmava-se, portanto, a relação de ambas
as listas à Coca-Cola.
Quanto
à configuração das manchas do teto, não pareceu haver dúvidas: remeteu-nos para
uma ventoinha de teto – eletrodoméstico inventado também na década de 1880 (tal
como a receita de Pemberton) e dominante nos sistemas de arrefecimento de
interiores até ao boom dos ares condicionados, já na década de 1950.
A
única coincidência entre as provas, como ponto de partida e confirmação de que
poderíamos estar no caminho certo, foi o facto de ambas (Coca-Cola e ventoinhas
de teto) terem sido inventadas no século XIX.
F
- Na segunda visita que fizemos ao casal levámos connosco um detetor de
ectoplasma e se, por um lado, não encontrámos nenhum sinal de atividade no
exame que lhes fizemos, já na habitação conseguimos assinalar um rasto
ectoplásmico que apesar de não ser consistente como uma assinatura, marcava
presença espiritual.
P
– Se calhar este é um bom momento para explicar um pouco a questão do
ectoplasma. Se não se importar…
F
– Claro, recuemos um pouco no tempo.
As
variadíssimas biografias de Allan Kardec são unânimes quanto à importância do
neurocientista de Dortmund, Franz Rosmat, seu grande amigo, na orientação das
suas ideias.
Apaixonado
pelas tradições egípcias do terceiro olho, este visionário alemão avançaria com
a hipótese, posteriormente confirmada, da existência de glândulas cerebrais
(hoje conhecidas por Glândulas Rosmat) capazes de sintonizar as ondas do
cérebro naquilo a que já Kardec chamava as frequências interdimensionais, as
que abrem ligações entre o mundo dos vivos e de todos os outros.
Kardec
também confirmaria que são poucos, a quem chama médiuns, os que conseguem, pelo
menos uma vez ao longo da vida, ativar, consciente ou inconscientemente, as
Glândulas Rosmat.
Logo
no início do séc XX, com novo cruzamento de dados, compreender-se-ia o
mecanismo energético que permite que as Glândulas Rosmat se ativem, o Fluxo
Etéreo-Espiritual. Durante este fluxo, o médium produz um elemento chamado
ectoplasma e é neste contexto elétrico que as Glândulas Rosmat interferem nas
frequências cerebrais, sintonizando, na maioria dos casos acidentalmente, o
cérebro com o mundo suprafísico.
Os
cientistas transumanistas avançariam, logo a seguir, não só com a identificação
universal de inúmeras frequências interdimensionais, como até as diferentes
intensidades de ectoplasma que cada médium terá de produzir para atingir cada uma.
O
Fluxo Etéreo-Espiritual de cada médium deixa um rasto ectoplásmico único, a sua
assinatura ectoplásmica, e pode permanecer ativo no local onde foi libertado
por tempos indefinidos, havendo registos de décadas de intervalo entre
fenómenos, estimulados pelo mesmo fluxo, pela mesma assinatura.
Ao
usarmos o detetor de ectoplasma na casa do Rui e da Sandra, conseguimos
sinalizar evidências de atividade Rosmat na habitação, mas, por serem pouco
nítidas, nada conseguimos saber sobre a sua origem, pelo que nos concentrámos antes
na identificação do espírito que teria saltado para este mundo.
P
– E que tipologias espirituais vos pareceram estar envolvidas neste caso?
F
– Tendo em conta que tínhamos objetos que se materializaram (as listas), uma
interferência no mundo físico (o desenvolvimento da mancha no teto) e a
presença de um rasto ectoplásmico, selecionámos 4 frequências com potencial
para explicar o evento, duas de baixa frequência (e baixa voltagem) e duas de
alta frequência (e alta voltagem).
Nas
frequências de voltagem baixa, onde o fluxo não exige muito ectoplasma,
considerámos duas tipologias espíritas, ambas de espíritos exteriores, ou seja,
de espíritos que não interferem diretamente com o médium que o trouxe, apenas à
sua volta: os Orixás (entidades identificadas originalmente pelo
afro-brasileiro Candomblé) e as Assombrações.
Os
Orixás são o fenómeno mais comum do mundo espírita e só se manifestam na
materialização de objetos simbólicos, como velas, ferramentas ou fruta, não
havendo em nenhum dos registos de tudo aquilo que os Orixás já fizeram
misteriosamente aparecer, qualquer referência a palavras escritas, pelo que a
informação demasiado detalhada das listas fez-nos abandonar esta hipótese.
Avançámos
para as Assombrações, não tão frequentes como os Orixás, mas, ainda assim,
bastante comuns.
As
Assombrações são espíritos exteriores, como os Orixás e qualquer outro espírito
que se manifeste em baixa voltagem, porém são reivindicadoras e
territorialistas.
Termos
pensado nas Assombrações não teve a ver com o facto de termos encontrado um
rasto ectoplásmico na habitação do Rui e da Sandra, pois quando uma Assombração
entra no nosso mundo, poucas vezes se manifesta perto do médium, recolocando-se
imediatamente no local que, associado a alguma das suas memórias de vivo, vai
reivindicar como seu, não o abandonando mais, tornando a vida num inferno a
qualquer vivo que pretenda fazer uso desse espaço.
As
manchas no teto, por seu lado, implicavam um tipo de interferência que podia ser
de uma Assombração e quanto às listas, apesar de estas não serem
materializadoras como os Orixás, com a capacidade que têm em interferir no
mundo físico, podiam perfeitamente tê-las gerado a partir de um objeto
qualquer.
O
aspeto dissonante teve a ver com o facto de que tudo, na casa do Rui e da
Sandra, aconteceu apenas no espaço de duas semanas, como um caso isolado; e de
que uma Assombração, quando se instala, não assombra uma vez só, mas sempre,
até conseguir recuperar só para si o que lhe terá pertencido, expulsando os
invasores.
P – Seguem, portanto, uma
linha de despistagem.
F – Exatamente. Aventurámo-nos
então no mundo da alta voltagem, dos espíritos possuidores (Incubus e
Poltergeists), onde as altas frequências atingidas pelas Glândulas Rosmat
forçam a produção de um ectoplasma muito mais denso, debilitando o
médium, incapacitando-o ao ponto de nem conseguir controlar o seu próprio
corpo, ficando inteiramente à mercê do espírito.
Começámos
pelos Incubus, ou Possessões Demoníacas.
As
listas e as manchas não encaixariam à partida na identificação da ação de um
Incubus, já que estes são espíritos exclusivamente possuidores, não
interferindo no mundo físico. Porém, há casos em que os médiuns possuídos não
se lembram de ter deslocado objetos pelo que podiam ter elaborado as listas e
provocado as machas do teto sem se lembrarem.
Contudo,
como os Incubus interferem sempre de forma visível nos comportamentos do
possuído e não são nada discretos, nem no Rui nem na Sandra encontrámos
indícios da sua presença.
P
– Agora que refere as possessões, é possível o diálogo entre a parapsicologia e
o espiritismo neokardecista?
F
– Cruzamos muita informação com parapsicólogos, cujo trabalho respeitamos, mas
acabamos por ter interpretações diferentes dos fenómenos, optando por outras metodologias
para os abordar.
Pois,
ao nível das possessões, a maioria dos parapsicólogos não reconhece
Poltergeists nem Incubus como entidades autónomas, atribuindo as suas
manifestações unicamente à ação psicocinética inconsciente do médium.
Nos
nossos registos, porém, há casos em que, quando o Poltergeist fala pelo médium,
demonstra saberes que são completamente alheios ao possuído, revelando-se
enquanto indivíduo, de biografia independente.
P
– Passaram então à hipótese dos Poltergeists?
F
– Exatamente. Apesar de se evidenciarem através do comportamento dos possuídos,
ao contrário dos Incubus, os Poltergeists podem, se o quiserem, ser bastante
discretos e costumam revelar uma inteligência acima da média. Não há um padrão
de comportamento e até de previsibilidade na ação de um Poltergeist, havendo
registos de personalidades extremamente diversas, que podem ir dos “Rejeitados
do Portal de Pedro”, Poltergeists vagabundos, vingativos e violentos, até aos
“Espelhados”, Poltergeists de personalidade amistosa, fraterna, cooperativa e
até brincalhona, que permanecem durante anos em atividade com o mesmo médium,
auxiliando-o e até consolidando com este relações de amizade e companheirismo.
Apesar
de o comportamento dos Poltergeists poder ser discreto, a sua ação já se teria
manifestado de alguma outra forma, sem ser apenas no caso das listas e das
manchas, pelo que percebemos que também não seria por aqui a solução.
P
– Beco sem saída?
F
– Quase, restava-nos uma última hipótese, a mais rara, a menos conhecida, a
mais especulativa, aquilo a que já Kardec chamava Passagens Interdimensionais e
que no neokardecismo conhecemos por Fugas.
P
– Não poderíamos também falar de fugas nos casos que já referiu, Orixás,
Assombrações, Incubus e Poltergeists, no sentido em que também há uma passagem
para este mundo?
F – Podemos pensar elasticamente na
palavra Fuga e entendê-la assim. A forma como nós a utilizamos difere dos casos
que referiu, porque aqui temos uma tentativa coletiva de passagem. Nos casos
anteriores falávamos sempre de um espírito de cada vez, já o que carateriza a
Fuga é esse associativismo espiritual.
P – Paremos um pouco. Os espíritos
associam-se? Isso implica que se conheçam, certo? Então tem de haver algum
tempo ou lugar ou sei lá que outra dimensão onde os espíritos entrem em
contacto uns com os outros. Estou a pensar bem?
F – Sim, existe mesmo esse local onde a
vida e a morte se contaminam mutuamente. Chama-se Portal de Pedro e é onde os
arcanjos Anúbis e Perséfone residem, sendo deles a função de regular o tráfego
dos espíritos que estão em trânsito entre encarnações.
A sua vigilância é apertada e nunca um
segundo espírito consegue passar na mesma frequência ativada, por ser
imediatamente bloqueada por Anúbis e Perséfone.
P – Para haver uma Fuga, então, como
ultrapassar essa supervisão tão apertada?
F - No início da década de 1960, perto da
pirâmide de Teotihuacán, a curandeira mexicana Maria Sabina, em estado de
alucinação psicadélica, contactou com uma entidade que lhe ditou a cantar uma pequena quadra,
à qual a própria nunca foi capaz de atribuir qualquer significado coerente:
“Só se rompe a teia dos
arcanjos
quando
o calor se interrompe abruptamente
e
as existências se encaixam
noutras
existências dos seus tempos.”
Em 1976, numa viagem ao México, o
brasileiro Chico Xavier acabaria por encontrar-se com Sabina, dando-lhe esta,
então, a conhecer as palavras que durante tanto tempo a intrigavam. Para Chico
Xavier, esta quadra, a que chamou Chave, fez imediatamente sentido.
Era a Chave para compreender as Fugas e é
graças às sucessivas interpretações que têm sido feitas desta única quadra que
hoje compreendemos melhor o que está em jogo quando Anúbis e Perséfone (os
“arcanjos” da Chave) se “distraem”.
P – Então já percebi que os “arcanjos” são
Anúbis e Perséfone. “A teia” será uma metáfora para a sua vigilância?
F – Inicialmente sim, até que se
descobriu o fenómeno a que chamamos Rede Panteneural, que é a “vedação” que
separa os vivos (o nosso mundo) dos restantes.
P – A primeira condição apresentada para
se romper “a teia dos arcanjos” é “quando o calor se interrompe abruptamente”.
De que forma resolveram este verso na confirmação de que seria uma Fuga?
F – No espiritismo, qualquer interrupção
de “calor” significa cessação de vida porém, têm de ser mortes no plural, pois
uma só não “rompe a teia”.
Como as provas nos remetiam para o século
XIX procurámos tragédias coletivas que pudéssemos associar a John Pemberton,
dado termos até a sua caligrafia.
Não foi preciso procurar muito, pois o
próprio Pemberton se suicidou juntamente com outros 5 frequentadores do
AzraelSleep, um bar-saloon famoso pelos clientes alternativos e, já agora, pela
decoração atualizada, uma vez que surge retratado num jornal da época já com
uma ventoinha de teto.
P - E como é que “as existências se
encaixam noutras existências”?
F – Antes de mais convém referir que
quando falamos de percursos espirituais, não usamos medidas inferiores ao
século, dado estarmos a tratar de entidades sem prazo. Assim, quando a Chave refere que “existências se encaixam
noutras existências dos seus tempos”, ou seja, contemporâneas, procurámos, não
na década específica dos acontecimentos, a década de 1880, mas em todo o séc
XIX, pessoas com as quais pudéssemos estabelecer um paralelo de personalidade
com os suicidários do AzraelSleep. É claro que, para começar, precisámos de
definir o perfil destes 6 malogrados para perceber o que é que tinham em comum.
E os seis eram Alexander Graham Bell, o
homem que inventou o telefone; Charles Emper Glitou, suspeito nunca comprovado
do assassinato de Lewis Astring, autor da chamada Lei Seca e assessor do 28º
presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson; J S Pemberton, o homem que
inventou a fórmula da Coca-Cola, farmacêutico experimentalista viciado em
morfina; Bruce Doning, camarada de guerra de Pemberton, condenado em tribunal
militar por insubordinação; Catherine Deshayes, a única mulher do grupo, cega e
filha de pai branco e mãe índia, de quem se diz que conseguia distinguir as
cores pela temperatura; e John Pluto, o dono do AzraelSleep e ativista
destemido contra o puritanismo antibebidas.
P – E qual foi o denominador comum?
F
- Pessoas com biografias singulares, únicas e não representativas da sua época.
Como
Vila Nova de Santo André só foi criada no século XX, tivemos de pesquisar a
realidade do concelho de Santiago do Cacém do séc XIX, onde o padre
António Macedo, claramente, nos permitiu fazer um paralelo com os clientes do
AzraelSleep, não por qualquer disfuncionalidade social, mas pela singularidade
do seu pensamento (que o fazia insurgir-se contra a conveniente ignorância do
povo), o que o torna, tal como aqueles, pouco representativo da sua época.
P
– Assunto encerrado?
F
– Não propriamente.
Repare,
tínhamos um grupo de 6 espíritos do séc XIX que, por ser em número suficiente,
teria conseguido furar a teia dos arcanjos e passar para este mundo, deixando
marcas contretas dessa Fuga, as manchas no teto e as listas, mas faltava-nos o
principal, os espíritos. Onde estavam?
P
– Sim, onde estão?
F
– Não estão.
A
ausência de um rasto estoplásmico significativo forçou-nos à conclusão de que
os objetos que nos chegaram eram, afinal, marcas de tentativas infrutíferas de
transitar entre mundos. Pode ter havido variadíssimas razões para isso, como
por exemplo, o médium em causa não ter produzido ectoplasma suficiente.
P
– Deixe-me pôr-lhe uma questão. Uma vez que o suicídio coletivo ocorreu no séc
XIX, será que esta foi a sua primeira tentativa de Fuga, não terá havido
outras?
F
– Foi justamente na tentativa de compreender esse percurso, que procurámos,
aqui do concelho de Santiago do Cacém e em inúmeras fontes, acontecimentos que
tivessem ficado por explicar.
Deparámo-nos,
então, com dois casos: um na Abela, em 1976, em que um emaranhado de fios de
telefone (óbvia referência a Alexander Graham Bell) aparece à volta de uma
estátua, e um posterior, já em 2000, nas margens da Lagoa de Santo André, com o
aparecimento misterioso de uma dúzia de garrafas americanas do final do séc
XIX, em clara representação de John Pluto, que as terá vendido no seu
AzraelSleep.
P
– Caros leitores, terminamos esta entrevista, certamente, mais esclarecidos,
mas também algo amargurados.
Não
poderemos nunca mais olhar para os objetos que nos aparecem de forma inesperada
e incompreensível apenas como lapsos da nossa memória.
A
partir de agora, dar-lhes-emos certamente outro tipo de atenção, no sentido de
perceber se não serão indícios de mais uma história mal resolvida entre a vida
e a morte.
É
com esta inquietação que vos deixo.
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