leitores

1 de janeiro

1 de janeiro
Viantúlio Chen


1 de janeiro, sábado

Ano novo, assim como nos é nova e muuuuuuito interessante a casa que praticamente acabámos de comprar.

Como o edifício é grande, contratámos uma empregada para nos ajudar nas limpezas. Quando a conhecemos perguntámos-lhe como é que funcionava de cada vez que iniciava trabalho. Disse-nos que, normalmente, visitava a casa toda (assumindo que teria de a limpar toda), aconselhava a aquisição de determinados produtos para trabalhar e ouvia as nossas expetativas quanto às suas funções. Como hoje é feriado, pensámos combinar com ela para dali a uns dias, mas a insistentemente anunciada disponibilidade (“Odeio o Reveillon!” - repetiu várias vezes) levou-nos a marcar para o dia de hoje a sua visita inicial.

Chegou logo pelas 9. Como ela é novinha, decidimos (entre os três) que a trataríamos, respeitosamente, apenas pelo nome, Amandalita.

Comprámos a casa há uns meses, mas por questões de logística decidimos só vir para cá agora. O negócio foi feito numa tarde, assim, sem preparação, pelo que precisámos de algum tempo para “encerrar” a nossa vida no outro sítio e mentalizar para a mudança.

Já tínhamos pensado em comprar casa por estes lados. Desde que integrei o Grupo da Escatologia Laica, que tenho viajado frequentemente para Vila Nova de Santo André. De cada vez que lá vou fico na casa da minha prima Jéssica e até já lá fiz alguns amigos, como o Barbosa.

Tenho um problema com a conclusão de projetos, lido muito mal com a minha (excelente) capacidade de previsão, no sentido em que me aborrece de morte percorrer caminhos pouco imprevistos, acabando por desistir deles a meio. Ando a ficar melhor, no entanto, já por duas vezes que me ocorreu violentamente a ideia de não ir às sessões e atribuo essa quase desistência ao facto de ter de viajar. Se morar lá, penso que será mais fácil não abandonar. Não me apetece nada desistir de um processo que me está gradualmente a ensinar a evitar desistências – o trauma de toda a minha vida.

Pensávamos, portanto, em mudar-nos, sim, mas apenas daqui a uns anos, no entanto, uma oportunidade como esta não podia ser desperdiçada.


A casa, de dois pisos à superfície e um subterrâneo, ficou-nos ao preço de um apartamento pequeno, tudo só porque os primeiros proprietários desapareceram (e, ao que parece, o anterior também) tendo deixado a pairar sobre o imóvel uma (citando o vendedor) “superstição parva” que sempre afastou compradores e a tornou muito mais acessível (possibilitando-nos a compra, de outra forma nunca conseguiríamos comprar um T9).

De acordo com o vendedor, todos os misteriosos rumores relacionados com a casa, fermentados pela incapacidade das autoridades em determinar o paradeiro dos desaparecidos, foram instigados pela autarquia, não só para alimentar um projeto “absurdo” (palavra do vendedor) de atrair turismo sobrenaturalista, mas também para fazer baixar o valor que a casa certamente teria no mercado, aumentando o universo de interessados.

A Amandalita chegou. Iniciámos a visita pela casa, que ela elogiou pelas potencialidades de espaço. De facto, é enorme, os 3 pisos são completos, divididos em 3 apartamentos independentes. Cómoda esta construção que repetiu em todos os 3 pisos exatamente o mesmo traçado de divisões, as mesmas disposições, os mesmos espaços.

Disse-nos a este propósito a Amandalita que a sua mãe lhe contou que há uns 40 anos os primeiros proprietários (nós somos os 3ºs) construíram inicialmente apenas uma casa térrea. Por serem um casal reservado, raramente conviviam com a comunidade. Sabe-se, contudo, que eram suíços, bastante influenciados pela austera cultura anabatista.

Aliás, a sua crença teve efeitos visíveis em dois tópicos da sua curta biografia local. Um foi a constante hesitação em participar em qualquer atividade de política local, talvez pelo facto de eles recusarem que qualquer autoridade humana se sobreponha à sua igreja. O outro foi, ao invés, a sua participação em duas manifestações pacifistas, uma de apoio à visita ao país de Dalai Lama e outra contra a participação do exército nacional na repressão aos independentistas do norte de África, sublinhando o antagonismo que o anabatistas encontram entre cristianismo e violência.


Alguns anos depois de terem construído a casa com um piso apenas, começaram a construir o 1º andar e fizeram-no exatamente igual ao rés-do-chão. Fizeram uma escadaria de acesso ao 1º andar e simplesmente fecharam o piso de baixo. Passado pouquíssimo tempo, começaram as movimentações de construção da cave. Sem nunca passarem pelo rés-do-chão, conseguiram abrir laterais que lhes permitiram reproduzir (tal como já tinham feito) o 1º piso original, tendo, também aqui, fechado o 2º piso, onde nunca mais entraram. Meses depois da conclusão desta última obra desapareceram (desde que a construíram até que desapareceram passaram-se 8 anos).

Não deixa de ser curioso pensar no movimento de terem subido, terem-se afundado na cave e depois nada, o vazio. Um ziguezaguear algo desesperado ou alucinado, sei lá.

Correu todo o tipo de histórias, com uma tendência para o fantástico. A casa e os seus mistérios foram, sucessiva e simultaneamente, associadas às figuras lendárias do folclore local como a velha descalça, o vampiro do pó, possessões, extraterrestres, chegou a ouvir-se uma versão em que a casa teria sido construída com materiais biológicos que ganharam vida e até houve quem metesse os hidrossapiens ao barulho. No que toda a barbaridade criativa popular parece convergir é na sua importância para as aparições que se comentam da Avenida da Memória, já que se situa mesmo no início da dita avenida.

Houve uma equipa de investigação da judiciária que entrou na casa e a percorreu, tendo que desbloquear os dois pisos selados. Nada de conclusivo, apenas algumas pistas (vagas) que poderiam ter levado à suspeita de rapto, outras que dariam para uma simples mudança de local e abandono repentino da casa, outras que poderiam ainda vir a sugerir arrombamento e assalto, enfim, apenas hipóteses frágeis que nunca passaram disso mesmo.

A casa foi ainda exorcizada, benzida e visitada por médiuns e todo o tipo de pessoas ligadas ao sobrenatural, mas ninguém conseguiu resolver, de facto, o mistério.


O segundo proprietário, que a adquiriu em 1990, era solteiro, rico e passava a vida em viagens. Parece que duas a três semanas depois de ter comprado a casa deu lá uma festa de arromba. Vieram pessoas completamente desconhecidas da comunidade local, mas da terra ninguém foi. Ouviu-se dizer que a festa não correu lá muito bem, que houve coisas estranhas a acontecer. Não se sabe muito bem que coisas estranhas foram essas, apenas que, depois da tal festa, ninguém mais viu o seu proprietário. De acordo com as autoridades, nenhum dos seus amigos o viu desde essa data, o que no início não seria de estranhar, dada a sua personalidade geograficamente irrequieta. Nova investigação e nada de conclusivo. Caso encerrado. Desde então que a casa está desabitada.

Durante a viagem de reconhecimento, a Amandalita estava entusiasmada, pois sempre tivera curiosidade em conhecer por dentro a casa que toda a sua vida conheceu por fora. Por sugestão sua, começámos o percurso pelo piso superior, o 1º andar. Nada a comentar. Descemos ao rés-do-chão e foi como se estivéssemos a ver o filme de novo (apesar dos toques personalizados do 2º proprietário, não deixámos de ter a noção de que estávamos a ver o mesmo, apenas ligeiramente diferente).

De ressalvar a sensação de espaço que o anterior proprietário lhe conferiu, transformando as opacas paredes originais em painéis de shoji, que não são mais do que telas translúcidas, tradicionalmente usadas em casas japonesas e que se traduzem por estruturas de madeira ou bambu que fixam folhas de papel de arroz, permitindo a privacidade, sem introduzir escuridão. É claro que o meu saudosismo emocional por tudo o que é asiático me absorveu desde logo em comentários favoráveis à compra da casa. Digo saudosismo emocional, pois só assim o consigo explicar, já que, apesar de toda a família do meu pai viver no extremo oriente (espalhada por 3 países: China, Tailândia e Japão), nunca lá estive, nem nunca os conheci em pessoa.


Finalmente chegámos ao piso inferior, a cave, outra repetição da formalidade arquitetónica do resto da casa. Numa inspeção imediata e superficial, tudo parecia nos seus locais previstos, aquele tipo de previsibilidade que sustenta o que sempre pensámos como lar.

Nas escadas havia degraus com cor diferente. Um aqui outro ali salpicavam o castanho dos restantes. Um azul, dois verdes, um cheio de bonequinhos, um às riscas, brancos, amarelos, vermelhos, enfim, sem qualquer padrão, dando a sensação de uma pintura completamente aleatória. Talvez uns tenham sido pintados numa altura, outros noutra. Quem sabe até por inquilinos diferentes e motivações absolutamente díspares.

Chegámos à última divisão, a despensa da cave, exatamente na mesma disposição das dos pisos já visitados.

A Amandalita pegou então no seu bloquinho e, como previra, anotou os produtos que, na sua ótica, seriam necessários para, não só fazer uma inicial limpeza a fundo, mas para a ir mantendo.

Enquanto o fazia, percorri os olhos pela despensa e reparei em algo absolutamente impercetível, completamente camuflado: uma porta atrás das prateleiras. Bonita, por sinal. Moldura cheia de detalhes figurativos. Na primeira impressão ficaram-me a ideia de serem faunos ou criaturas semelhantes. Posteriormente reparei que a complexidade plurianimal de cada imagem transcendia largamente os, aqui por comparação, simples faunos.

Tudo indicava que se trataria de uma porta que alguém teria ali depositado para um dia vir a ser útil, como todos fazemos em locais como este, despensas, sótãos, garagens. Como pareceu em bom estado e até estávamos com um problema na porta da entrada, decidimos, na hora, retirá-la dali. Implicou desaparafusar as prateleiras e até deu um trabalhão.

Daria um ar gótico, algo sinistro a quem nos visitasse, mas enquanto não conseguíssemos dar solução a questões prioritárias, serviria na perfeição no local. Mesmo as dimensões, confirmei depois, logo me pareceram adequadas às da entrada.


Quando tirámos todas as prateleiras que nos impediam de alcançá-la, a porta não tombou como imaginámos. Pensámos inicialmente que tivesse sido presa à parede, para evitar sobrecarregar as prateleiras com um peso morto. Só quando tentámos mesmo puxá-la com força é que nos apercebemos que esta porta não era um elemento decorativo ou armazenado na parede, mas uma verdadeira porta, daquelas que fecham e abrem acessos, que separam mundos que, às vezes, não devem ser misturados.
Uma porta por abrir é uma tentação.

Claro que não demorou muito tempo até que entrássemos, ou não fôssemos curiosos por natureza. Custou a abri-la, denotando anos de não uso. Rangeu como seria de esperar e o impulso da abrir (eficaz) levantou uma nuvem de poeira que nos fez tossir aos três. Escuridão total era a única coisa visível. Ficámos os três em silêncio, um misto de ideias revoltas e daquele receio de ser o primeiro a falar.

Não aguentei.

Vamos ver o que é? Eu arranjo lanternas.

Em alguns minutos já tinha distribuído uma a cada um e começámos a exploração do desconhecido.

Percebemos aos primeiros passos tratar-se de uma escadaria. Degraus largos permitiram-nos ir descendo com facilidade. Contámos 139 degraus entre paredes húmidas e um cheiro intenso a terra e pó. É difícil explicar o chão da escadaria, pois por vezes parecia ranger como madeira, noutras a sensação de solidez remetia para pedra.

Apesar de todos o termos pensado, julgo eu, ninguém avançou com a proposta de desistir. Assim, fomos descendo, degrau a degrau.

No fim da descida encontrámos uma sala quadrada com cada uma das paredes pintada de forma detalhada. Tentarei resumir, apesar de avisar desde já que nunca nenhuma descrição conseguirá transmitir o nosso arrebatamento pelo cenário colorido-figurativo das narrativas que ali se encontravam ao nosso dispor. No chão havia setas que apontavam para o primeiro quadro e que depois nos indicavam a direção certa da leitura.


A primeira parede estava dividida em 3 quadros, cada um com um planeta.

No primeiro um planeta cinzento, morto, com toda a simbologia de ausência de vida. Uma rocha esférica num vazio cósmico. Sem magia nem tragédia.

No segundo, um choque de um meteorito contra o planeta, transformando todo o universo à sua volta. Empurrando-o para um conjunto de outros planetas com luz forte ao centro.

No último, o mesmo planeta inicial, mas agora colorido, vivo, cheio de criaturas e energia. 

Na segunda parede apenas um homem a despedir-se de um outro. O primeiro estava à superfície do mesmo planeta do 3º quadro da parede anterior, enquanto o segundo acenava, à janela de uma nave espacial, a afastar-se. Lindos os detalhes da nave, de tons arroxeados e brancos. Apesar do aspeto tosco, a nave evidenciava uma grande elegância de formas.

Na terceira parede, a mais exuberante, 4 quadros.

No primeiro, dois mundos de costas viradas, homens muitos e minúsculos, todos de rosto indiferente, inexpressivo, nenhum a olhar para os deuses. No outro mundo, deuses a olhar para baixo, com uma expressão mista de indignação, espanto e desalento.

No segundo quadro, os deuses reunidos, de braços no ar e bocas escancaradas, discórdia ou discussão acesa. A tudo se assemelhavam a deuses nórdicos, ainda que alguns detalhes decorativos parecessem fora de contexto, como uma aparente prancha de surf aos pés do deus maior. Lembrou-me o surfista prateado. Pelas sombras com que os deuses emergiam na cena, percebeu-se a intenção de mostrar duas fações.

No terceiro quadro, 3 deuses escondidos atrás de uma capa a imitar animais, nitidamente a pretenderem passar despercebidos. Das suas mãos e das suas cabeças erguiam-se raios que criavam um monstro enorme, mas disforme, mais uma nuvem com olhos maléficos e boca ameaçadoramente aberta.

No quarto quadro, uma personagem vampírica a lutar contra o monstro criado no quadro anterior e a apresentar-se como o defensor dos seres humanos e também de outros vampiros.


A quarta parede era a mais simples, apenas uma espiral pintada com uma rosa e uma cruz ao centro. A rosa vermelha estava pintada com tal definição que me fez imediatamente lembrar aquelas pinturas hiperrealistas que nos empurram para a possibilidade de estarmos a ver uma fotografia.

Quando iluminámos esta superfície a Amandalita aproximou-se dos desenhos centrais e perguntou-nos se podia fazer uma coisa que a avó lhe ensinara a fazer num desenho semelhante.

Que sim, que avançasse.

Contou-nos que todos os anos no dia de Santo André, comemorado na família a 30 de novembro, a avó a obrigava a fazer esse ritual com ela. Sabia-o de cor até ao mais ínfimo detalhe, incluindo um poema, que ela só mais tarde soube ser de Fernando Pessoa. Que até estava emocionada, pois a avó sempre lhe dissera que um dia esse saber lhe seria útil, pois ver-se-ia numa situação em que seria a única a possuí-lo. Apesar de ela sempre ter ouvido isto com algum divertimento, parecia que agora se concretizava a profecia.

Então ela tocou com o dedo anelar esquerdo nas pontas da cruz e fez o gesto de cheirar a rosa, aproximando-se da parede o mais possível, quase a tocar-lhe. Depois, como que a dizer-lhe um segredo, declamou baixinho o tal soneto de F Pessoa.

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosacruz conhece e cala.

Ficámos os 3 em silêncio a seguir à sua declamação. Poucos segundos depois o chão estremeceu. Foi um segundinho apenas, mas foi o suficiente para nos cair um pouco de pó em cima e nos agarrarmos uns aos outros, a tentar perceber o que se passava. Apesar de não se ter agitado mais, sentia-se sob os nossos pés um tremor permanente que soava abafado e grave.


Nesse momento, a espiral pintada começou a rodar do interior para o exterior, revelando a existência de um mecanismo (possivelmente ativado pela intervenção da Amandalita) que abriu no seu lugar um buraco na parede. Quando atingiu um tamanho considerável, parou.

O chão parou de tremer e vimo-nos de repente em frente a mais um buraco. Como já estávamos com a mão na massa e fervíamos de excitação, aventurámo-nos a entrar.

Demos os primeiros passos no escuro e logo o chão se desfez e caímos perdidos no vazio. Fomos de uma sensação de um intenso e assustador frio inicial a uma temperatura moderada. A mesma sensação de quando temos os pés gelados, os tapamos e vamos, gradualmente, sentindo-os de volta. Quanto mais nos afundávamos no abismo, mais tudo parecia entrar nos eixos. Do caos à ordem. Entenda-se tudo como a temperatura, pois do resto apenas nos envolvia uma imensa escuridão.

Acredito que tenhamos estado em queda livre uns bons dois minutos e depois fomos, milagrosamente, diminuindo o ritmo da descida até pararmos suavemente num pequeno pátio em frente a um portão. Por cima do mesmo, provavelmente o nome do local, NOSGOTH.

Descrevendo o portão, poderia dizer que até era bastante despojado, liso e de metal, apesar de ser enorme, uns bons 5 a 6 metros de altura, com uma moldura composta de um emaranhado de chifres que me pareceram ser de variadíssimos animais.

Na porta do nosso lado direito, a uns dois metros do solo, numa placa, que me pareceu de marfim 3 palavras escritas no nosso alfabeto: Kain Ottman Alcro.

À sua volta, parede, mais nada. Uma parede escura (pedra, talvez) cujos contornos se desvaneciam na escuridão. Só o local que pisávamos e o portão estavam iluminados. A luz vinha de cima, mas era impossível perceber a sua fonte – parecia um candeeiro de rua em noite de nevoeiro cerrado.


Do nada e silenciosamente apareceu uma coisa redonda a voar.

Com aparência esférica, esta “bola” tinha asas de penas brancas, o que lhe dava um ar de anjo, mas suficientemente glamoroso para também ter um cheirinho de sambódromo.

Do seu centro abriu-se um olho de um azul entre o zafiro e o celeste. Uma espantosa gradação cromática começada no início do afastamento daquilo que num olho normal seriam as pálpebras. Do escuro e denso, mas imediatamente luminoso, do zafiro, à limpidez aberta e até algo embriagante do celeste.

Ficámos imóveis, inicialmente assustados, depois, sabe-se lá porquê, até tranquilos.

O olho alado voou em nosso redor durante bastante tempo a examinar-nos cada detalhe. A qualquer momento aguardávamos uma ação, qualquer coisa, mas não foi o que aconteceu durante a inspeção a que nos sujeitou. Nada, apenas um circundar observador, invasor, mas não nervoso.

Depois, as suas asas abriram-se na plenitude e conseguiu, com elas, envolver-nos.

Sentimo-nos apertados e em seguida fomos literalmente disparados para cima, até cairmos na sala quadrada onde inicialmente estivéramos. Efeito contrário ao de um chuveiro, tendo sido aspirados, literalmente, para o topo.

A parede da espiral já se encontrava fechada. Subimos até à despensa. Fechámos a porta, reaparafusámos as prateleiras e saímos dali.

Dissemos à Amandalita que precisávamos de sair da casa uns dias. Que a contactaríamos depois, precisávamos de digerir o que tinha acontecido.

Neste momento a minha mulher dorme ao meu lado e eu estou a escrever. O quarto do hotel que alugámos é simpático e tem umas excelentes vistas sobre a Lagoa de Santo André.

Hoje ficámos mesmo por aqui, se amanhã ainda não conseguirmos voltar lá, regressamos à casa onde ainda oficialmente moramos e depois logo se vê.

Tenho de falar com um amigo que tenho na Yama-GIP, ele deve conseguir ajudar-me a compreender o surrealismo dos acontecimentos.



Sayooooo
Viantúlio Chen

Nenhum comentário:

Postar um comentário