Recebi hoje
o resultado de uma consulta de descodificação que encomendei através de um
grande amigo chamado Goncitro. Ele não é descodificador, mas conhece o meio.
Interessava-me
uma abordagem energética menos flower power e mais universalizante. Há poucas
organizações capazes de comentar detalhadamente os processos que aplicam. As
explicações costumam andar sempre envolvidas em zonas de secretismo, descrições
vagas, subjetivas. Porém, com o conhecimento do Goncitro, filho do mentor
ideológico do NeoKardecismo, conseguimos contactar a organização certa, os
Yama-GIP.
Há cinco
meses encontrei-me pela última vez com o Valter Zuse Biningo.
O Valter
decidiu assumir o apelido que lhe é por direito, reconhecido pelos Lendários,
apesar de sentir alguma necessidade de se explicar, uma vez que, tirando o
Valter e o seu vampai, nenhum outro Biningo anda pelo mundo à solta. Fá-lo
também para afirmar a sua completa independência do seu vampai e reivindicar a
possibilidade de um Biningo ser etnicamente livre.
O Valter
pertence aos Biningos, uma derivação dos Vampiros de Chão (VC), uma estirpe
tribal que ainda me era desconhecida. Nessa pequena sociedade territorialista,
só o vampai, Crinto Delnhuc Biningo, pode abandonar a zona, a nenhum outro é
permitida tal liberdade. O facto de esta variante não ter nome caraterizador e
optar por designar todos os seus elementos pelo apelido do vampai, denota o
lado submisso dos Biningos. Crinto nem permite que os seus descendentes atinjam
autonomia cerebral.
Quando digo
que o Valter me contactou pela última vez, faço-o porque, de acordo com o plano
que elaborámos, está previsto que ele desapareça por uns tempos, justamente
após este contacto. Pretendemos evitar que nos relacionem, que lhe descubram o
paradeiro e que alguém possa suspeitar sequer do nosso projeto.
De qualquer
forma, para ter as certezas absolutas que pretendemos, ainda vou demorar uns
meses, se não anos. Tenho de contactar entidades de variada ordem para
confirmar os dados que hoje tenho em minha posse, por isso estabelecemos um
prazo de 10 anos para nos voltarmos a encontrar.
Por enquanto
já tenho o que preciso para passar à fase seguinte.
Já tenho uma
primeira, credível, descodificação das palavras, que implicou a tradução de um
alfabeto dinâmico, não normativo. Outras terei de reunir, por contraste, de
outros descodificadores.
Seguidamente,
a interpretação cruzada dos múltiplos sentidos do texto demorará mais tempo.
Julgo,
contudo, ter tudo claro como água em menos de um decénio.
O Valter
(atribuo isso ao facto de nos conhecermos há pouco tempo) vê o meu título de
Conde como um elemento distanciador e cerimonial, mesmo depois de lhe ter
explicado que não pertenço a nenhuma linhagem, mas antes a uma nobreza
individualista (que tem muito pouco a ver com estratificação social), anterior
a qualquer noção conhecida de monarquia humana.
É claro que
não me aprofundei na explicação de mim, apenas deixei bem claro que não precisa
de me galantear como se faz habitualmente aos nobres por cá. No meu mundo
ninguém é nobre porque os pais isto-ou-aquilo, não são títulos herdados. Desde
Ottman que apenas se atribuem títulos por merecimento, o que faz uma enorme
diferença. O facto de a atual corte de Don Alcro me ter reconhecido algum
mérito não implica qualquer tipo de endeusamento.
Voltando ao
Valter... desde a sua transformação que a revolta é o sentimento dominante na
sua vida.
Conheci-o
nos primeiros tempos da sua nova e, espero, longa existência. Sentimos, eu, a
Patrícia e a Laura, as suas vibrações perturbadas. Entrámos em contacto com ele
e cresceu-nos logo uma grande empatia. Mostrei-lhe alguns pedaços da nossa
história vampírica comum e começámos a ver-nos com regularidade, até já o
apresentámos ao Marcos Falhuc, um outro VC.
A sua grande
e angustiante raiva é fruto de ele ter percebido que o seu processo
transformador foi apenas o resultado de um capricho. O seu vampai procurava um
documento que pensava que ele possuía e chegou à conclusão (apressada,
superficial) de que ele não o tinha.
Houve afinal
um ruído na comunicação. Afinal, ele tinha em sua posse o tal documento, só não
sabia que o tinha.
O Valter,
até um dia em que confronte Crinto, carrega este desnorte de não saber se a sua
transformação foi intencional, ou um acidente. Ter sido um acaso parece-lhe o
mais provável, não só pelo pouco rigor do seu vampai na intrusão telepática a
que o sujeitou, mas também, segundo o que afirma saber, pelo facto de ser esta
a primeira viagem ao mundo exterior de Delhnuc e de ele nem conhecer muito bem
as extensões comportamentais do seu próprio vírus.
A Tena, ou
os Lendários, dias após o seu renascimento vampírico, entraram em contacto com
o Valter. Falaram com ele e explicaram-lhe o seu processo irreversível de
transformação. Informaram-no do seu novo apelido virológico e
contextualizaram-no na breve biografia da sua tribo, revelando-lhe a identidade
do seu pai-vampiro, ou vampai, já informado da sua existência.
O seu desejo
de vingança foi crescendo conforme foi interpretando leviandade e
inconsistência no seu carrasco. Insiste o Valter que se ele quisesse muito o
documento (ao ponto de o matar) teria aprofundado a intrusão telepática a que o
sujeitou e tê-lo-ia encontrado.
Se ele
tivesse feito uma pequena incursão controlada ao seu inconsciente ter-se-ia
cruzado com o grafismo do texto. Foi justamente através de um processo de
hipnose fotorrecuperadora, consolidado com a intervenção de uma GIP senegalesa,
especializada na reconstrução de pistas em casos de invasão cerebral, que o
Valter se apercebeu de que tinha o documento.
Crinto,
porém, não fez qualquer tipo de aprofundamento, deixando o corpo morto do
Valter abandonado como uma embalagem vazia que se joga fora, cumprida a sua
função.
Ficou,
portanto, abandonado à sua sorte, um Vampiro de Chão Biningo, sem razão nenhuma
para se justificar vivo. Encontrou, na vingança ao seu vampai, o fundamento da
sua existência.
Quando o
Valter me detalhou a forma como foi invadido mentalmente pelo Crinto, o tipo de
procura a que foi sujeito, e as evidências procuradas, percebi que tínhamos de
conversar melhor.
Quando Os
Lendários se encontraram com o Valter e o contextualizaram na história da sua
família vampírica, contaram-lhe que Crinto é um vampiro renascido durante a
Idade Média. Pertencente aos VC, um dos clãs da nova vaga, mas um dos mais
influentes, Crinto, durante a inquisição, refugiu-se numa ilhota portuguesa,
mal assinalada nos mapas, ao largo do continente africano.
O isolamento
e o cruzamento com os locais, já por si peculiares, terá dado origem a esta
variante de VC. Então Crinto contacta a Tena e faz um pacto de recriação
virológica, reivindicando o reconhecimento do clã Biningo.
Nos seus
estatutos, os Biningo trocam o racionalismo VC pela capacidade de influenciar
os elementos da natureza e, na mesma senda de recuperação de tradições dos
primeiros clãs ditatoriais, Biningo vai mais longe e, não só esteriliza toda a
sua ninhada, sendo ele o único fértil, como só gera criaturas em tudo inferiores
a si, completamente dependentes e submissas, sem nome próprio.
Rompe com a
original estratégia de alimentação dos VC, optando pela primitiva teatralização
sanguinária dos tempos de Nordoom.
Crinto
recupera, ainda, dos tempos antigos, a tradição de dar missões aos clãs - aqui
também contrariando os clássicos VC, que a rejeitaram. Assim, atribuiu aos
Biningos a procura dos documentos que explicam A Génese, A Verdadeira. Já,
então e certamente, com intenções obscuras, agora, de alguma forma, reveladas.
A missão de
Crinto de certa maneira encalha com a da minha família, os Volada Fox.
O meu clã,
os Nosgóticos, não tem nenhuma missão estatutária, como os Biningo. Porém,
desde Kain, o nosso primeiro rei, que aos Volada Fox foi confiada a guarda da
parte 1 do 5BYC (5 Billion Years Cronology) ou, como se chama vulgarmente em
português, Crónica dos 5.
É, portanto,
um documento que faz parte da história na nossa família. Desde que nos foi
entregue em mão por Kain que nos treinamos para compreender os sinais.
Contam os
mais antigos Volada Fox que Kain nos disse que um dia nos cruzaríamos com
aquele ou aqueles que querem reunir os dois pedaços do 5BYC. Kain sabia que,
algures, nos tempos por vir, os 2 pedaços se uniriam de novo para “completar um
ciclo de sabedoria sem tempo”, no entanto, não tinha qualquer suspeita sobre
quem seria o autor dessa junção e quais as suas intenções.
Passou-nos a
informação do tipo de procura que se tem de fazer para que este documento se
revele e é baseado nisso que nos temos treinado. Quando o Valter me descreveu o
contacto que teve com Crinto apercebi-me imediatamente do que se tratava.
A angústia
que Kain partilhou com os meus familiares foi a incerteza perante as intenções
de quem possuir o documento completo, um poder incalculável de conhecimento.
Faz, portanto, parte da nossa missão averiguar a integridade dos que vão dando
passos suspeitos, por mais pequenos que sejam, até o dia em que encontrarmos
aquele ou aqueles que serão dignos de receber o que guardamos.
Porém,
também pode ser nossa função, pensamento muito discutido no meu seio familiar,
a recuperação de outras partes do documento, caso as encontremos em mãos
impróprias.
Desde o dia
em que nos tornámos guardiões da parte 1 da Crónica dos 5, que nos vamos
revezando fisicamente nessa missão de ocultar o documento, sendo que todos
estamos, permanentemente, alerta. Durante os correntes 250 anos sou eu o
responsável por esta tarefa.
A Crónica
dos 5 é um texto muito antigo e obscuro, há grande dificuldade em datá-lo
enquanto linguagem escrita (será muitíssimo mais anterior enquanto linguagem
emocional, telepática e oral) e uma quase total impossibilidade em
determinar-lhe autores.
Uma certa
corrente gnóstica também tem andado no seu encalce e refere a nossa parte 1 da
Crónica dos 5 como o primeiro do conjunto de fundamentações a que chama “A
única lei”.
Trata-se de
um documento complexo dividido em 2 partes.
Cada uma
delas, por sua vez, subdivide-se noutros dois elementos: uma folha com um
emaranhado de riscos e uma outra em formato de rede.
Quando
sobrepostos, a visibilidade dos riscos limita-se aos espaços da rede,
permitindo a identificação do que serão letras, ainda que completamente
indecifráveis, dado o factor dinâmico do alfabeto utilizado, onde poucos sinais
se repetem.
Sou
guardião, portanto, do conjunto completo da parte 1, ou seja, a folha dos
riscos e a folha-rede. Consigo sobrepô-los e aperceber-me de que estou, de
facto, a olhar para um código.
Mesmo que
conseguisse fazer um paralelo de letras, falta a parte 2 para o documento se
completar. Pois em cada uma das partes só aparece metade de cada palavra.
A parte 2 da
Crónica dos 5 também é composta por duas peças semelhantes: a folha riscada e a
folha-rede.
Voltemos ao
Valter para se perceber o percurso do documento.
De acordo
com as informações que ele conseguiu da Tena, na ilha dos Samer (onde reside
toda a comunidade Biningo), teria estado depositada a parte 2 completa da Crónica dos 5.
Crinto tornara-se seu pessoal guardião ainda quando vivia em Portugal, tendo
assumido a busca da parte 1 como missão de vida.
Acontece
que, em 1939, numa viagem aparentemente turística, Konrad Zuse, pai do Valter e
grande explorador do mundo e das ideias, terá conseguido desviar a folha-rede da
parte 2 do 5BYC. Tornou ainda mais amarga a missão de Crinto.
Teria agora
de recuperar a folha-rede da sua parte 2 e ainda continuar a procurar todo o
conjunto da parte 1.
Tendo tido
conhecimento do caso, convoquei uma reunião entre alguns membros dos Volada Fox
e Os Lendários. O tema foi a integridade e a pertinência de Crinto Delnhuc
Biningo.
Quando
estamos a dar passos no sentido de estabelecer protocolos de convívio entre
humanos e vampiros, movimento inspirado na corajosa Revolução dos Cozinheiros,
duvidámos, por várias razões apresentadas, da capacidade de Crinto em
contribuir para esta tendência, integrando o seu clã nela.
Aliás, a
animalização da sua própria descendência é prova incontornável das suas
tendências contrárias.
Concordámos
que a sua posse do documento inteiro causava preocupação.
Aprofundando
o lado egocêntrico de Delnhuc, sabemos que só este roubo o fez sair da ilha dos
Samer. De acordo com o que Os Lendários nos contaram na reunião, ele não
pretendia sair da ilha nos próximos dois milénios, o tempo por ele anunciado
como o necessário à subjugação coletiva que pretendia. A fragilização cognitiva
do seu clã, conseguida no tal período de 2000 anos, permitirá a criação de um
canal unilateral de comunicação telepática, transformando o vampai na única
criatura pensante de toda a ninhada. Uma só cabeça, todo um clã como extensão
executiva do seu pensamento.
Nunca um
vampiro tentou tal façanha e a consegui-lo tornar-se-á, sem dúvida, num dos
mais poderosos de sempre. Se, além disso, chegasse a possuir a Crónica dos 5
completa, podia haver um grave desequilíbrio na harmonia de forças que reina no
nosso submundo.
Imagino que
Crinto tenha investigado a morte e descendência de Konrad Zuse, até chegar ao
Valter. Como o Valter foi apenas uma pista e se calhar nem tinha muita
confiança nela, rapidamente se desinteressou, apesar de já o ter assassinado. O
Valter ter renascido VC foi, a julgar ao que parece, um imprevisto. É este
descartar da vida que o Valter não lhe perdoa.
Afinal
Crinto só não descobriu que ele tinha o documento porque nem este sabia que o
tinha. O Valter e as irmãs, em noite natalícia, abriram uma certa caixa dourada
e descobriram o espólio epistolar do pai. Pouco tempo depois esta passaria a
ser gerida pela UNP, mas, antes disso, o Valter decidiu guardar 5 ou 6 para
ele, como recordação – o critério de seleção que usou foi apenas a beleza dos
envelopes.
Chegou a
abri-los, mas, principalmente este, por estar apresentado num enigma, ficou
adiado para uma altura em que a decifração lhe apetecesse.
Acabou
esquecido no fundo de uma gaveta.
Só com ajuda especializada, o Valter conseguiu reconstituir as suas memórias
e encontrar o que Crinto andava à procura.
Há
aproximadamente cinco meses tive então a rapidíssima e última reunião com o
Valter. Despediu-se até dali a dez anos e, antes de se desfazer em pó e me
desaparecer no chão da sala, deixou comigo um envelope com a parte 2 da Crónica
dos 5.
Dentro
estava a folha-rede que o pai de Zuse trouxera da ilha dos Samer (e que o
Valter tinha consigo) e a folha riscada de que Crinto era guardião.
Não me disse
como conseguiu a folha riscada, apenas a deixou.
- Até daqui
a dez anos... passa num instante.
Tenho,
portanto, em minha posse, pela primeira vez desde que foi escrito, o conjunto
completo.
A reunião
que tivemos com Os Lendários deu-nos força para avançar com o projeto de
retirar a parte 2 da Crónica dos 5 a quem dela fosse indigno. As tendências
nitidamente imperialistas de Crinto afunilaram a decisão.
Depois de
ter montado o conjunto e de ter reparado como, numa certa posição, os 4 pedaços
fazem sobressair o que parece ser um texto, enviei-o ao meu amigo Goncitro para
uma descodificação séria.
Não posso
deixar de frisar que o que tenho comigo é uma proposta de tradução das palavras
de um texto. Não é a sua interpretação. Aí teremos de percorrer outros
caminhos, mas daqui a 10 anos, quando me reencontrar com o Valter, conto já ter
tudo em pratos limpos.
Não é um
texto muito extenso, por isso, para aqui o copio.
Pelo título
sempre pensei, durante este tempo todo, que seria uma cronologia que durasse 5
biliões de anos.
Agora acho
que já percebi o nome: trata-se de uma cronologia do universo, em etapas com 5
biliões de anos cada.
(O facto de
o último ponto não corresponder a esta ordem pentabilionária, também pode estar
relacionado com o facto de ter sido acrescentado ao original, ainda antes da
sua dispersão, como sugere o tradutor.)
Está escrito
como que a contar uma história e tem nomes de personagens que navegam num
universo factual simbólico e de certa forma alegórico.
Incluo
também, porque me parece importante, a carta introdutória do tradutor-descodificador:
“Caro amigo,
a dificuldade em assumir certo vocabulário como decifrado ou traduzido, fez-me
recorrer a algum design ortográfico funcional. Deste modo atualizei para o
nosso linguajar a forma de entender a linguagem, presente no texto original. Se
o não fizesse corria o risco de transformar um texto codificado noutro
semelhante, que me parece não ser o que pretende.
Atualizei as
datas dos pontos, em conformidade com o datar atual.
Em termos
comparativos à oficial noção de evolução cósmica, arrisco, na interpretação das
palavras, o estabelecimento de dois paralelos: o ponto 5 será o Big Bang e o
ponto 8 corresponde ao momento em que um corpo celeste embate no planeta Terra,
no momento histórico entendido como determinante para a extinção dos dinossauros.
Devo referir
que, a partir do ponto 6, as ideias aparecem escritas de forma menos antiga,
porém ainda suficientemente nublada para não se conseguir traduzir à letra com
clareza. Pelo vocabulário conseguimos perceber algumas repetições e menos
elementos aleatórios, denotando a experiência da repetição adotada, sinal claro
de evolução na escrita, logo, datada posteriormente ao restante documento.
Será interessante um estudo paralelo de datação antropolinguística, para percebermos
a partir de quando a evolução do cérebro humano passou a permitir um certo tipo
de raciocínio escrito.
Cito um
artigo de 1995 do grupo AVA, no livro “Evolução Controlada”, sobre a Crónica
dos 5:
“São
bastantes e de mui dispersos locais do mundo as inúmeras tradições mitológicas
primitivas que referem que a Crónica dos 5 tem duas fases da sua existência
conhecida: na primeira é escrita, reescrita até atingir a perfeição; na segunda
é dispersa para que nunca se saiba a verdade, para que, como se diz em Tuvalu,
“não desperte a desilusão que o conhecimento da verdade provoca.”
PONTO 1 - há
35 biliões de anos
Ariovaldo
dormia um sono longo em uníssono.
Em expansão
de sonho, o fluido uno impeliu Ariovaldo a sonhar-se tripartido.
Três pilares
de uma entidade só.
Um tudo. Um
sonho. Três sonhos.
Ainda que
mantendo a sua total passividade, o desdobramento singularizou domínios
nomeados e o sonho deixou de ser efémero.
Ariovaldo
nem acordou, coube-lhe o espaço.
Nasce
Cremilde como primeiro desdobramento do sonho e com ela vem o tempo.
Passa o
tempo, mas o espaço não vibra.
Eis quando
Ariovaldo e Cremilde sonham um sonho só e nele Adosinda introduz o movimento.
A vibração.
PONTO 2 - há
30 biliões de anos.
No sono do
Ariovaldo individualizado, o guardião do espaço, compreende-se uma galáxia
estática. Todos os corpos que a compõem são o mesmo. Parado na imensidão do
todo que só ele é, apenas a consciência da sua existência lhe permite
compreender a sua própria extensão, muito para além dos números e das formas de
medir.
No todo de
Ariovaldo, um novo Ariovaldo restrito, uma Cremilde tranquila e uma Adosinda
inativa, em tentativas de compreensão num processo de observação à capacidade
expansiva do todo que Ariovaldo ainda é.
O sonho
consciente de si, a procura de definição...
tudo em
potência.
PONTO 3 - há
25 biliões de anos.
Adosinda
aproximou-se de Ariovaldo, fazendo flutuar a consciência em movimento.
Em cascata
de processos, do invisível ao incontornável, Adosinda deixou que se entranhasse
no volume sem parcelas que Ariovaldo, ainda que subdividido de si, mantém de
forma passiva.
Ainda sem
processos temporais, passou a dupla Ariovaldo e Adosinda a tomar diferentes
consciências da sua própria localização.
Solidificou-se
a noção de existência física e das diferenças ocorridas nesse processo
expansionista, mas sem a perceção do processo.
O
derramamento nuclear encontra-se numa encruzilhada de mundos possíveis,
estabelecendo ruturas e reformações.
A emergência
de identidades é anulada pela não necessidade de identificar, elevando a centro
cósmico o turbilhão da totalidade existente, não planificada e não
planificável.
PONTO 4 - há
20 biliões de anos.
Cremilde
despertou e com ela a noção de tempo.
Nasceu o
plano e a consciência.
Foram-se
experimentando fórmulas em como o movimento e o tempo se concretizaram numa
realidade etérea, de pensamento e envolvimento emocional.
O movimento
e o espaço geraram, por sua vez, naturalidade, memória e a multiplicação
individualizante dos singulares.
Com o
nascimento da previsão, nasce também a noção de causa e consequência, porém
mantendo uma manta de introspeção curiosa, não determinista.
PONTO 5 - há
15 biliões de anos
A
experimentação a três ocasionou inúmeras contradições moleculares, resolvidas
com explosões reconstrutivas. Estas contradições gerariam um padrão de consenso
atómico, no qual o trio se dilatou na imensidão incontrolável de tudo o que
existe. A sintaxe de cada universo. Todos os universos.
Nasce o
Desconhecido Inimaginável, a concretização de que a realidade supera largamente
as possibilidades criativas cerebrais.
Nada está
definido e tudo pode ser decidido.
Nada está
decidido, nem que rumo seguir.
Em convulsão
interna, o trio define-se.
PONTO 6 - há
10 biliões de anos
Um acidente
cósmico, em jeito de ímpeto existencial, projetou um naco de Adosinda pelo
vácuo.
O movimento
que gera vida.
O sonho de
um planeta emergente leva Adosinda à deriva do seu realizar, reunindo, na
viagem, todo o saber que acumula das circunstâncias do roteiro.
No seu
encalce vai também um pouco de Cremilde, para temporizar, suavizando os estares
irrealistas de Adosinda em tudo fecundar.
PONTO 7 - há
5 biliões de anos
Adosinda encontra
um planeta com rota irregular e embate nele, regularizando o seu papel no
sistema em que se encontra.
Um leve
desvio de rota acidenta a chegada de Adosinda, que projeta uma parte estéril de
si, apanhada, porém, num força de dança que a mantém perto.
Leva consigo
o conhecimento do acumular da viagem, deixando que, no solo, todo o seu eu se
derrame, tomando posse do novo astro, em tudo capaz de a pluralizar.
Nascem os
que provocarão o nascimento de outros e outros.
PONTO 8 - há
65 milhões de anos
Cremilde
encontra o rasto de Adosinda, provocando um embate no mesmo astro onde esta se
fixou. O tempo excessivo levado na sua procura impediu a aniquilação total do
já brotado.
O legado de
Adosinda é reformulado, mas não é apagado do cosmos e as multiplicações
generosas da paz conseguida fazem vibrar o todo rochoso.
Adeus
Conde Volada
Fox
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