No início do
mês, ao largo da costa de Sines, a tripulação de uma embarcação de pescadores,
no regresso a casa, avistou uma criatura cujas características nos remetem
imediatamente para a clássica definição de sereia.
Já é a sexta
vez que, no espaço aproximado de um ano e em zonas completamente diferentes do
globo, foi avistada uma sereia. Sempre e só uma, da qual, infelizmente, só há
uma única fotografia, distante e pouco conclusiva.
A idoneidade
das testemunhas, bem como a semelhança absoluta das descrições dos dois corpos
num só, chamou a atenção do público: a parte superior, humana, feminina, de tez
azul escura e longos cabelos brancos, olhos luminosos num rosto ofuscado; a
parte inferior, corpo de peixe em tons avermelhados.
A emoção
despertada pela solitária sereia gerou movimentos de apoio, de curiosos, de
cientistas e de outras intenções mais estratégicas, políticas e militares.
Infelizmente,
tem-se gerado ruído suficiente para que os factos cheguem à população envoltos
numa nuvem que vai das mais tradicionais teorias da conspiração às tentativas
razoáveis de compreensão do fenómeno, passando por todo um manancial de
atitudes silly-brotherhood, bem intencionadas, mas condimentadas pela
desregrada e alucinada noção de que toda a vida tem os mesmos direitos, como se
tudo tivesse as mesmas necessidades... afinal há gatos que gostam de água e
cães que preferem peixe... daí a minha decisão em escrever esta peça
jornalística, em fazer um ponto da situação. O que se sabe, afinal...
As
comunidades subaquáticas têm contribuído decisivamente para o esclarecimento da
questão, sendo que hoje já estaremos muito perto de compreender, com
significativa fundamentação, o que está verdadeiramente a acontecer entre nós.
Na sede do
MH (Movimento Hidrossapien), na Lomba do Alcaide, nos Açores, é possível
encontrar tudo o que foi recolhido, investigado e estudado até agora sobre o
caso da sereia solitária. Além de todo este conhecimento, publicado nos mais
diversos órgãos de comunicação social, eu próprio, enquanto membro Gold do MH,
tive acesso a dados absolutamente confidenciais que complementam e explicam os
cenários sincrónicos e diacrónicos desta singular criatura.
Apesar de
ter sempre respeitado a forma como a dinâmica do MH se desenrola, não posso
continuar a manter sigilo sobre matérias que acho que devem pertencer ao
domínio público. Rompo com o voto de confidencialidade que sempre honrei,
entregando, desta forma, aqui e simbolicamente, o meu cartão de membro do MH,
pois não posso continuar a pertencer a uma associação que deixará, a partir
deste momento, de confiar em mim.
Apresento-vos,
então, as minhas conclusões.
Em primeiro
lugar, convém assinalar a dupla possibilidade de entendimento do fenómeno, uma
mais baseada em dados verificáveis (esta que vos apresento em detalhe), outra
mais “interpretada” (de que vos falarei sucintamente), ambas com forte
possibilidade de contribuir para o esclarecimento geral.
Remontemos
ao que terá criado a primeira sugestão da perplexidade: o desaparecimento do
grupo paramilitar hidronómada NDS, há cinco anos.
Os NDS
(nunca se soube ao certo o que queria dizer a sigla) começaram apenas como um
grupo de defesa paramilitar, sediado no hidroestado AIF (Abyss Independent
Family). Justificava-se a existência deste tipo de associativismo militarizado
pela verificada insegurança do fundo do mar, dada a inexistência de um
internacional policiamento eficaz. Houve e há vários grupos em quase todas as
comunidades, independentes ou não. Não tem sido um problema, mas uma forma de
encontrar soluções.
O grupo
terminou oficialmente as suas atividades na AIF quando um número significativo
dos seus membros se incompatibilizou com a comunidade e criou o primeiro grupo
hidronómada.
Mantendo o
nome NDS, estes hidros, com grande poder de armas, começaram rapidamente a dar
nas vistas pela negativa, multiplicando-se as acusações de atos intimidadores.
Além do mais, foram já inequivocamente estabelecidas relações promíscuas entre
eles e o grupo netoil Splash (grupo inspirado nos terroristas Split), bem como
se tornou demasiado suspeito e evidente que o fim das atividades destes tenha
coincidido com o desaparecimento dos NDS. Para alguns investigadores, NDS e
Splash são apenas dois nomes para os mesmos autores.
Apesar de
serem os pioneiros e inspiradores de todo o movimento hidronómada, apesar de
nos seus atentados ter havido sempre o cuidado de só haver danos materiais e de
terem, com isso, garantido alguma simpatia da opinião pública, não deixaram de
ser procurados internacionalmente como terroristas, obrigando-os a uma certa
invisibilidade, o que acabaria por consolidar o seu nomadismo, transformando a
sua existência num quase mito.
As
testemunhas da sua presença fugidia sempre manifestaram uma certa relutância em
divulgar dados muito concretos, uma vez que sentiam que a luta NDS, de alguma
forma, também era a sua. A bandeira ideológica NDS reivindicava, não só
igualdade de direitos nos mais radicais tentáculos da autodeterminação
completa, como medidas que retirassem gradualmente poder oceânico aos governos
da superfície, atribuindo-o aos habitantes dos mares.
Saltando a
específica aplicação terrorista e, particularmente, hidronómada, as suas
ideias, sedutoras para muitos jovens hidrocidadãos, que até as começaram já a
assumir publicamente, apontam contradições do sistema, como a possibilidade de
um povo, à superfície, ter apoio na luta pela sua autodeterminação e um
hidropovo contar, à partida, com uma oposição, à superfície, quase unânime.
Porém, como
já referi, há cinco anos, aproximadamente, desapareceram, assim o podemos
afirmar, pois se a biografia de um grupo terrorista se constrói pelas suas
ações públicas, foi há cinco anos que o último atentado dos Splash teve lugar,
numa plataforma petrolífera desativada temporariamente, provocando
avultadíssimos prejuízos. Ditou, assim o pensámos então, o fim desta associação
paramilitar, deixando aturdidos os investigadores que os tentavam enclausurar,
antevendo passos.
Os esforços
internacionais das polícias permitiram, contudo, reunir um sem número de pistas
sobre os NDS. Como salienta uma jornalista australiana, com as sucessivas
perdas de jurisdição sofridas pelo advento dos novos hidroestados e,
principalmente, pela possibilidade de cada novo hidrocidadão adquirir um novo
nome, uma nova identidade, cortando ligações definitivas com a sua ex-vida
terrestre, perderam-se muitas possibilidades de ação, criando um significativo
número de becos sem saída. Essa incapacidade legal de intervenção e alguma
desmoralização pelo fim das suas atividades terroristas, ainda assim, não impediu
a contínua procura de explicações sobre todos os ângulos do caso NDS. A
investigação, portanto, continua.
É justamente
do cruzamento, relevante, de informações recolhidas que os especialistas creem
que os atentados foram apenas uma fachada para a verdadeira ação dos NDS.
Recentes descobertas nos fundos abissais permitiram estabelecer paralelos entre
os ataques terroristas e outras explosões no fundo do mar. Relativamente perto
dos locais de todos os atentados reivindicados, quer pelos NDS, quer pelos Splash,
houve, simultaneamente, perfurações do solo subaquático. É comumente defendida
a tese de que os atentados terão servido como manobra de distração para outras
explosões em locais já identificados como decisivos naquilo que parece ser um
projeto global empreendido por estes hidros, a procura de passagens para
microcosmos intraterrestres.
Luppi Endro,
o dirigente desta comunidade hidronómada, é conhecido, ainda de quando
integrava a AIF, pelas suas incursões “científicas” aos fundos abissais. Pouco
se sabia ou suspeitava das suas razões.
Quando ele e
um grupo de 30 indivíduos abandonaram a AIF, ficou para trás um dos seus mais
próximos colaboradores, ressentido pela forma como decorreu a cisão entre NDS e
a AIF. Foi justamente através deste, cuja identidade ainda não foi revelada por
questões de segurança, que muitas e preciosas informações chegaram ao público,
permitindo corrigir e preencher lacunas nestes pensamentos que vos apresento.
Antes de
aderir à comunidade AIF e prescindir da sua identidade terrestre, Luppi Endro
(o seu nome de hidrocidadão), dava pelo nome de Enrico Bianchi, um jovem
cientista italiano algo desacreditado, principalmente por ser, enquanto membro
da Associação Júlio Verne, ativista apaixonado pela teoria da Terra Oca e mesmo
convicto da existência de comunidades intraterrestres.
Chegou a
manifestar simpatia por um grupo de pensadores que duvida da existência de vida
extraterrestre, considerando que, se não todas, a esmagadora maioria das
manifestações ovniológicas observadas provém do interior do planeta e não do
universo à sua volta, que os chamados aliens não são mais do que criaturas
intraterrestres, desconhecidas à superfície. Enrico teve, porém, a sensatez de
não o afirmar convictamente, apenas considerando estas conclusões como
possibilidades.
Bianchi
publicou, então, numa revista pouco creditada pela comunidade científica, uma
teoria da sua autoria, que se baseava em cálculos que fizera, através dos quais
concluiu que a nossa capacidade de suportar a intensidade da gravidade que o
planeta exerce sobre nós não permite que este seja tão denso como se pensa.
Pelas suas fórmulas, só se compreende esta dimensão da força centrípeta da
Terra se considerarmos a existência de muitos, significativos, espaços vazios,
reduzindo, de forma drástica a noção que temos da sua densidade. Segundo ele, o
planeta é quase oco, caso contrário esmagar-nos-ia contra si.
Na evolução
do seu pensamento, as suas conclusões sobre a gravidade combinam com outras
polémicas, como a teoria que aponta a existência de concentrações gasosas, que
funcionam como fontes de calor e luz intraterrestres, com funções semelhantes a
sóis interiores, cuja luminosidade gaseificada, atravessando fissuras da
crosta, explicaria fenómenos como a aurora boreal.
Outros
acontecimentos são usados por este pequeno grupo de cientistas alucinados, como
os icebergs de água doce, o achatamento do planeta nos polos e o comportamento
anormal da bússola no extremo norte para, refutando as explicações oficiais,
apresentar teses alternativas de explicação sempre, claro está, afuniladas na
certeza de uma Terra oca.
Acredita-se
que, escondida nas motivações oficiais de Luppi Endro para prescindir da sua
identidade terrestre, estivesse já esta sua vontade de se aproximar do
intramundo, sendo que o abismo marítimo foi logo, desde o início, o cenário
ideal às suas explorações.
Neste campo
é-lhe reconhecido algum mérito, tendo sido atribuído o seu nome, Canal de
Endro, à passagem subaquática e direta entre os fundos dos oceanos Atlântico e
Índico, por si descoberta, mas ainda a ser estudada e testada em termos de
segurança, para ser universalizada.
Tendo
estudado as possibilidades abissais dos oceanos, terá selecionado aquelas que,
na sua ótica, mais facilmente permitiriam abrir caminho a uma dessas bolsas
intraterrestres. Não sabemos se saberia exatamente o que iria encontrar.
Acredito que
possam ter tido acesso às informações que nós possuímos, nomeadamente, quanto
ao momento de enclausurar as sereias na Bolsa de Capri, assim se chama o seu
intramundo subaquático, que Luppi Endro e os seus NDS descobriram.
No final do
período mitológico, Hades, Atenas e Hércules, em momento de dissonância com as
restantes divindades olímpicas, deram origem ao primeiro vampiro da história,
Nordoom. Porém, o seu gesto seria descoberto pelo centauro Quíron quando, numa
das suas muitas viagens cósmicas, encontra o imóvel planeta Karvatun-Lap e
descobre toda a história dos seus habitantes, os Pai Natal e os Sarfa-Lap.
Tendo
relatado a sua viagem ao titã Odin, ambos intercederam, num último gesto de boa
vontade divina, para que fosse criada uma forma de permitir a coexistência
planetária entre seres humanos e vampiros. Foram-lhes então atribuídas bolsas
de abrigo intraterrestres desocupadas, semelhantes às do reino de Hades, mas
isoladas deste e com todas as condições para que os vampiros pudessem viver
plenamente no seu interior.
Porém e
ainda assim, a possibilidade de contacto entre vampiros e pessoas seria muito
grande, pois bastaria perfurar a língua de terra que separava ambas as
espécies, para que todo o projeto fosse por água abaixo (literalmente, uma vez
que os pontos de contacto seriam no fundo do mar). Prevendo esse perigo, os
deuses do Olimpo criaram uma bolsa intermédia entre vampiros e seres humanos,
encheram-na de água luminescente para que qualquer movimento fosse notado e
povoaram-na com sereias que, com o seu inato espírito guerreiro e indomável,
certamente cumpririam a função de guardiãs do espaço intermédio, impedindo o
contacto entre o submundo e a superfície. E, sem o saberem, cumpriram durante
milénios.
As sereias
selecionadas para povoar a Bolsa de Capri foram criadas pelos deuses com este
único propósito. Como se sabe, as sereias pertencem às espécies híbridas, tal
como minotauros, faunos e centauros, mas a sua fusão de inspirações original
compreendia uma ave e uma mulher, pois eram aladas.
A sua
capacidade de voar era, justamente, a sua competência vital, já que através
dela assombravam navios, aproveitando as condições atmosféricas favoráveis ao
fascínio da sua presença nublada. Encantavam e, na ilusão do encanto,
subjugavam vontades, dominando os ares, nos mares.
Dadas as
caraterísticas líquidas deste novo habitat, Zeus reuniu, num pequeno concílio,
os 2 irmãos (Hades e Poseidon), Quíron e Odin, que ficou conhecido como o CEI
(Consílio do Espaço Intermédio), para decidir sobre os seus habitantes. Apesar
de os 3 irmãos terem obrigatoriamente de estar presentes em todos os concílios,
a Hades não foi dado direito de voto nos que se relacionaram com este processo,
por ser ele, justamente, um dos responsáveis. Esteve presente, sim, que assim o
obrigam os estatutos do Olimpo, pronunciou-se, mas não decidiu. Quem é sempre
chamado quando é necessário criar novas espécies ou suas variantes é Odin, que
tem sempre de aprovar.
Neste CEI,
Hades, num suspeito discurso adocicado, lembrou que as sereias são a espécie
mais fiel a um objetivo e mais territorialista que qualquer outra, sugerindo a
criação de uma nova espécie de sereia, mais adaptada ao ambiente aquático,
bastando, para tal, substituir, no cruzamento com a mulher, a inspiração da ave
com a do peixe.
Os
conselheiros concordaram com a criação de uma nova estirpe de sereia, que se
reproduzisse por partenogénese, mas com uma condição, imposta por Poseidon.
Odin, a quem
fora confiada, não só a criação do Olimpo, mas também a sua supervisão, sabia
que os 3 irmãos não iam conseguir, sozinhos, sem exércitos próprios, erguer e
“domesticar” todos os habitantes do mundo governável. Daí ter conseguido que à
trindade olímpica fosse dado esse poder de criar, dentro de um patamar temático
que os diferenciasse.
Assim, no
início da Fase Mitológica, aquando da atribuição do mundo aos 3 irmãos, Zeus,
Poseidon e Hades, Odin, o titã de vidro, concedeu-lhes a possibilidade de
criarem espécies de apoio: Zeus criou os centauros e os anjos; Poseidon criou
as ninfas e Anfitrite, que as governaria e com quem acabaria por casar; Hades
criou as sereias e toda uma parafernália de criaturas com múltiplas cabeças,
como a Hidra de Lerna, o Cérbero e a Cila.
Como o
verdadeiro alimento dos deuses são as preces sinceras dos crentes, consolidadas
na ritualização da celebração dos seus nomes, e estes sempre viveram à
superfície, Zeus, o governante do mundo fora de água, acabou por se tornar,
gradualmente, o mais poderoso dos 3. Hades governava os seus intramundos, com o
vigilante Poseidon a controlar os mares.
Hades sempre
usou as sereias (que viviam à superfície, mas nos ares, longe de Poseidon), com
as quais tinha íntimas relações telepáticas, como suas batedoras do mundo,
mantendo-o informado de tudo o que acontecia à superfície. Porém, nunca
conseguiu espiar o mundo subaquático, devido à firmeza do rei dos mares, que
nunca lhe permitiu invasões, nem grandes proximidades.
Poseidon
aceita, então, a criação de uma variante de sereia, mas dada a proximidade
desta espécie com o seu criador original e duvidando da honestidade de Hades,
determina que as novas sereias de água não saibam nada da sua história, da
existência de vida acima e abaixo de si, ou mesmo de qualquer mundo exterior ao
seu.
Assim se
desenvolveu esta comunidade, ignorando o todo exterior, convicta do
conhecimento de um mundo total, tendo como finisterra as paredes dos extremos
que contornavam o seu universo.
Apesar de
inicialmente disseminados pela água de toda a gruta, com o passar dos tempos,
os elementos luminosos da água da Bolsa de Capri foram cedendo ao peso e
acumularam-se no fundo da gruta, o que, não só contribuiu para acentuar e fixar
a luminosidade dos tetos de Nosgoth (a gruta imediatamente abaixo), como criou
zonas superiores muito escuras na caverna das sereias. Como resposta a esta
necessidade gradual, mas irreversível, elas desenvolveram olhos com luz própria
e cabelos brancos, sinalizadores de presença, caraterísticas identificadas
pelas inúmeras testemunhas oculares do último ano.
Faz hoje
precisamente duas semanas que o primeiro elemento dos NDS foi capturado. É,
confirmadamente, um operacional, identificado presencialmente em locais de
atentados. Agora foi intercetado próximo de um avistamento da sereia.
Através
dele, muitas informações já foram confirmadas, como tendo sido a Fossa das
Marianas o local do contacto e curiosidades soltas sobre as sereias, desde
o facto de não precisarem de alimento até à sua incrível rapidez.
Deixou
algumas interrogações como o seu desconhecimento sobre se serão as sereias as
únicas habitantes da Bolsa de Capri, ou seja, que outras criaturas haverá
naquele microcosmos fechado há milénios?
Será
interessante o convívio com esse mundo, assim, diretamente, sem qualquer
preparação?
Ficámos
também a saber que a primeira equipa de 5 elementos a atravessar o canal de
ligação foi imediatamente aniquilada pelas sereias, confirmando o perfil bélico
ideal para manter mundos separados... Hades no seu melhor.
Tendo
mantido o canal aberto, a equipa NDS aguardou que houvesse, desta vez, um
contacto inverso.
Quando,
passadas umas semanas, um conjunto de 3 sereias se aventurou no exterior, em
pleno Pacífico, foram capturadas pelo grupo numericamente superior de
guerreiros hidronómadas, que aguardavam a sua passagem.
Usando-as
como reféns, Luppi conseguiu atravessar o canal em segurança e também uma
audiência com Kianda, a sereia-mor, com quem acabou por se entender.
Soubemos
também da dificuldade inicial em estabelecer comunicação entre as duas comunidades,
uma vez que as sereias só comunicam por telepatia. Não sendo possível
ensiná-las a falar, acabou por ser a equipa de Endro, com ele na frente, a
conseguir estabelecer contactos telepáticos bilaterais.
Afinal,
ainda conservamos (enquanto seres humanos) esta capacidade comunicativa
anterior ao desenvolvimento da comunicação linguística e remetida para um nível
de mito e esquecimento, distraídos que ficámos pela competência adquirida de
falar.
Por decisão
de Kianda, atordoada com a existência de um mundo exterior ao seu, desta vez só uma
sereia teve autorização para sair da Bolsa de Capri com a função do confirmar o
impensável.
Coube a
Ningyo, sereia de confiança de Kianda, a missão de reconhecer a existência das
outras realidades, das outras vidas, dos outros contextos. É Ningyo que tem
sido avistada um pouco por toda a parte.
Como
caraterística adicional, acrescenta o detido que, uma vez que sempre viveram
num ambiente aquático muito mais denso do que a nossa água, são extremamente
velozes nos nossos mares, podendo atingir, graças a um sistema combinado de
propulsão e eficácia de escama, velocidades impensáveis, próximas, se não
superiores, da velocidade da luz.
Os membros
NDS que, neste momento, têm livre trânsito na Bolsa de Capri estão
empenhadíssimos no estudo da capacidade destas sereias em se deslocarem com
tanta rapidez, tentando introduzir nos seus fatos epidérmicos tais componentes.
A segunda
teoria de explicação do surgimento desta sereia solitária é muito mais
subjetiva, porém, de quantas subjetividades não encontrámos já linhas válidas
de pensamento?! Não disponho de dados oficiais que me permitam afirmar as
próximas linhas, por isso, limito-me a resumir o que se comenta em canais,
muitas vezes injusta e abusivamente, considerados mundos da conspiração. Faço,
como prometi, também aqui um ponto da situação, não diria tanto do que se sabe,
mas mais de algumas extensões do querer acreditar. Apesar de não subscrever as
suas conclusões, as interrogações que levantam são excelentes para colocar
qualquer cenário em dúvida.
Tudo começa
com um Dr Corial Lap (cuja existência confirmo), cientista associado aos
pioneiros da hidrovida. Confirmo também que em certos meios científicos o
alcunham de Salteador da Madrepérola, por uma qualquer relação que este
estabelece entre o processo de formação das pérolas e a origem da vida na
Terra.
Confirmo
também que, ao aderir a uma hidronacionalidade, desapareceu dos registos da
superfície, exatamente como se tivesse morrido.
Entram, de
seguida, as teorias à sua volta, cuja informação não é difícil de encontrar em
sites apaixonados por estas possibilidades alternativas de ler o mundo.
Um
grupo impressionantemente bem documentado apresenta pistas que apontam para que
este Dr Lap seja extraterrestre, habitante do imóvel planeta Karvatun-Lap.
Noutros
locais, onde a sua naturalidade extraterrestre já nem é sequer posta em causa,
ele é apontado como tendo sido o influenciador direto de um famoso engenheiro
que trabalhou com Jacques-Yves Cousteau, a bordo do seu Calypso, no despontar
muito, muito inicial do MH.
É do domínio
geral os meios de manipulação genética que, através de um processo mais ou
menos ético, deram origem ao primeiro hidrossapien (ou guelriano). O que se
afirma por estes locais é que ele não se tenha ficado por aí e a sereia que
avistamos seja, ou o resultado das suas conquistas, ou apenas um levantar do
véu do muito que ainda haverá por descobrir.
Dizem os
comentadores mais alucinadamente envolvidos que a criação de um ser cada vez
mais híbrido é o objetivo final deste alien (que acredita que todo o planeta,
um dia, ficará submerso). Trabalha para encontrar o corpo com as caraterísticas
ideais para viver na água, como o dos peixes, mas com a capacidade
emocional-intelectual dos seres humanos. Esta fusão, assumida
internacionalmente com o reconhecimento do primeiro guelriano, é afirmada, em
círculos ainda mais surreais, como a estratégia do Dr Corial Lap para
conquistar o mundo.
Assim me
concluo.
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