Consílio do Calor
“O nosso planeta está cheio de vidas.
Há as vidas que conhecemos, há as que
não conhecemos mas sabemos que existem, há as que pensamos que já não existem e
há, por fim, aquelas cuja existência nos é completamente desconhecida,
impensável, inimaginável.”
Jolin Himano, séc. XIX
Quando, na década de 1920, o húngaro
Erik Weisz, mais conhecido como Houdini, o escapologista, faleceu, deixou como inesperada
herança ao mundo uma das maiores coleções de literatura especulativa de que há
conhecimento. D. Henrique, o Grão-duque do Luxemburgo, bibliófilo de valor
reconhecido, considera-a “a maior descoberta de sempre, uma compensação da
História pela tragédia de Alexandria”.
Na mais completa biografia de Erik
Weisz, editada recentemente em Portugal, é revelada a sua faceta pouco
conhecida de colecionador de livros antigos de temática histórica, obscura,
sobrenaturalista e mitológica. Ao lê-la, quase que ficamos com a ideia de que o
ilusionismo, bem como o nome artístico Houdini, foram manobras de distração da
sua verdadeira ocupação, que o faria viajar por todo o mundo, valendo-se, para
tal, da generosa herança dos seus pais desde que, ainda só com 12 anos, o
deixaram órfão, entregue a um tio historiador, especializado em artes ocultas.
Tendo tido, ainda de tenra idade, acesso, na inspiradora biblioteca do tio, à correspondência, datada do séc VII, entre o califa saudita Omar ibne Alcatabe
e o seu general Anre ibne Alas e entre este e um filho seu sobre a destruição
da biblioteca de Alexandria, Weisz descobriria o interesse que haveria de
moldar toda a sua vida.
Na primeira parte desta compilação,
ainda que Anre, nitidamente, vá colocando entraves à decisão de destruir toda a
literatura concentrada em Alexandria, valendo-se de argumentos como até a
necessidade de conhecer o inimigo para melhor o combater (argumento em que nem
Anre parece acreditar verdadeiramente), a obstinação do califa é irredutível,
culminando com a sua fatídica sentença: “se esses livros estiverem de acordo
com o Alcorão, então não precisamos deles para nada; e se eles se opõem ao
Alcorão, destrói-os”.
Na segunda parte de “Cartas de uma
decisão”, o nome do livro que recolhe a referida troca de correspondência, Anre
lamenta-se a seu filho (cujo nome nunca é revelado) da destruição para que está
mandatado e pede-lhe que, na mais secreta das movimentações, avance até
Alexandria com o seu regimento e, sob astutas manobras de distração, substitua
o maior número de livros possível.
“Na cave do palácio central de Medina
encontrarás os livros inúteis que poderás trocar pelos tesouros que,
certamente, Alexandria reúne.”
Mais à frente, na mesma carta, Anre
ordena a seu filho que entregue os livros resgatados do fatal destino aos seus
soldados, recomendando-lhe, também, que cada um deva levar apenas 5 exemplares,
para não dar muito nas vistas.
Noutra carta ele lista os nomes dos
“homens de palavra” a quem esses livros deveriam ser entregues. Ele aponta
cidades espalhadas por algumas zonas do então califado, correspondendo hoje aos
países Sudão, Líbia, Jordânia, Barém, Líbano, Turquia e Paquistão.
“Cartas de uma decisão” foi, portanto, o
rastilho da paixão de Erik pelos livros difíceis de encontrar, de temáticas
obscuras e proibidas. Inicialmente apenas no encalço obstinado dos livros
perdidos de Alexandria, posteriormente alargando o seu colecionismo a todas as
obras perdidas por esse mundo fora, foi construindo a sua biblioteca, enquanto
entretinha o mundo com as suas façanhas de ilusão escapologista, sob o nome
Houdini.
É justamente sobre “A Grande Biblioteca”
(AGB), uma das obras da sua coleção de que hoje vos falo.
Antes, porém, entremos por outra via.
O vampiro é uma personagem do património
literário mundial. Sendo certos da sua irrealidade, é justamente ao mundo da
literatura fantástica (e mais recentemente ao cinema) que lhe vamos
identificando caraterísticas, rituais, necessidades, sempre baseadas na
imaginação do escritor em causa.
Há, porém, alguns pontos curiosos de
contacto com o mito vampírico, a AGB e a realidade histórica e comecemos pela
referência mais antiga.
Na introdução de “Malleus Maleficarum”,
do final do séc XV, o livro da inquisição que ensinava a identificar sinais de
heresia, refere-se que “difusos são os livros que assumem verdades opostas à
nossa santa causa. Numa maldita AGB chega até a falar-se do vampiro como uma
criatura maléfica, mas sedutora, que partilha connosco esta terra que só aos
filhos do Senhor pertence.”
Bento XIV, o papa polémico que duvidava
da materialização do demónio, em 1732 afirma que a culpa da crença nos vampiros
seria do próprio clero que, “nos seus medos irreais, imagina o demónio em corpo,
como se este não fosse mais do que a personalização dos nossos imorais
comportamentos.”
Sabe-se, por investigações paralelas,
que a data e o local destinatários de tais palavras coincidem com a chacina de
uma aldeia inteira, assim referida nas palavras do historiador Howard Antinza
em “No rasto do sangue”:
“De acordo com, não só os incontornáveis
testemunhos guardados nos arquivos do Vaticano datados da primeira metade do
séc XVIII, bem como bastante folclore que ainda hoje, de forma romanceada, o
recorda, nenhum dos habitantes de uma aldeola perto de Sorrento, no sul de
Itália, terá sobrevivido à mão assassina, cuja identificação ninguém conseguiu
fazer de forma clara e coerente. Uma povoação inteira morta de forma selvagem, mutilada,
mordida e praticamente esvaída de sangue.”
Outro facto curioso, salienta Antinza, é
o terem desaparecido misteriosamente, logo nos dias seguintes, alguns dos
corpos.
A este propósito, cita uma testemunha que terá visto um dos mortos da aldeia erguer-se: “ele levantou-se, ainda a
cambalear, e ficou a olhar para mim durante um bom bocado antes de se afastar.”
E mais adiante… “Eu tinha-o visto no
dia anterior, morto e com o rosto todo massacrado, mas quando se levantou, ali
à minha frente, na pele da cara não havia uma única cicatriz, como se não lhe
tivesse acontecido nada.”
Havia, portanto, razões para os membros
locais do clero, conhecendo a idoneidade dos seus rebanhos, afirmarem a
existência de vampiros, o que terá espoletado a referida reação de Bento XIV.
Escolhi apenas estes acompanhantes de
percurso, chamemos-lhes assim, para introduzir a temática da AGB. O facto de
esta obra ser apenas referida, ao longo dos tempos, em apenas dois ou três
textos no mundo inteiro, levou a que se pensasse ser apenas um mito, que nunca
de facto tivesse havido tal livro, apenas mais um medo humano materializado.
A morte de Houdini, revelando a sua
extraordinária coleção de raridades, não só permitiu satisfazer a curiosidade
por obras raríssimas, outras autênticas revelações, mas também, como o caso da
AGB, de confirmar o impensável.
Hoje, a AGB já está publicada e
acessível ao grande público. A sua revelação na década de 1960 gerou
apaixonadas discussões por esse mundo fora. Os defensores da Terra Oca, bem
como os vernianos em geral, aplaudiram a obra e retomaram a defesa da sua
impossibilidade geológica. Os místicos organizaram-se em formas de estar,
tendo até, neste impulso cultural, dado origem a atitudes mais assumidas, como é
o caso da Bíblia Satânica de LaVey.
Passado o tempo da paixão, voltámo-nos,
então, para o lado sério e profundo do tema.
Em primeiro lugar, a AGB,
estruturalmente, não é mais do que um conjunto de documentos, organizados
cronologicamente, da História dos Vampiros.
Começa com uma proposta arrojada da origem
da vida no planeta Terra, recuando à própria formação do universo, e termina no
início do atual reinado vampírico nosgótico, cerca de 3 mil anos atrás.
Dada a complexidade dissidente dos
documentos em causa, a necessidade de combinar saberes de forma objetiva fez
com que, até hoje, só 4 publicações sérias tenham vindo a lume.
As primeiras duas, francesas, referem-se
a clãs de vampiros específicos referidos na AGB, nomeadamente:
1986, “Vampiros de Chão, o pináculo da
evolução”, sobre a capacidade deste clã vampírico em se desconfigurar em pó
e entranhar-se no solo, nunca perdendo a consciência do seu próprio todo, em
cada uma das suas mais ínfimas partículas.
1991, “Biningo, retrocesso tribal”, sobre
uma variante vampírica originária do arquipélago de São Tomé e Príncipe, que
prescindiu de certas capacidades racionais para se reencontrar num primitivismo
ritualizado.
O terceiro trabalho que saiu, em 1995, trata-se
de uma abordagem elaborada pela curiosa tripla portuguesa AVA (AstroVirologia
Antropológica), que confirma, de outras fontes e num trabalho meticuloso de
cruzamento de dados, algumas das afirmações da AGB, não propriamente na questão
vampírica, mas em toda a questão panspérmica.
Chegamos, então, ao mais recente dos
estudos.
No final do ano anterior foi lançado “Assim
nasceu Nordoom”, assinado por Valter Zuse, historiador anualista português,
especialista no ano de 2004, ano em que, de acordo com a AGB, terá havido
encontro milenar de vampiros, o momento em que todos os clãs se reúnem para
debater as questões do submundo.
Valter Zuse, residente na costa
alentejana, que pouco tinha publicado de relevo, surpreende pela crueza do desenvolvimento
narrativo desta obra que, ainda não tendo feito seis meses desde que foi
publicada, já se encontra esgotada um pouco por todo o lado. Cheio de mitologia
cruzada, Zuse investiga a AGB e adere ao grande movimento de
admiração por esta visão do universo, ilustrando, no cozinhado completíssimo
(832 páginas) que faz dos textos dispersos do livro, a origem da crença humana.
Muito
bem documentado, este “Assim nasceu Nordoom”, indispensável para qualquer
leitor atento, conta-nos, afinal, de onde vêm os vampiros, em que contexto
foram criados e de que forma a sua existência foi tão eficazmente confinada ao
submundo, ao ponto de ainda hoje acreditarmos que tudo não passa de histórias.
Fica, então, o resumo da obra, em forma
de palestra, apresentada pelo autor aquando do lançamento oficial do livro
“Assim nasceu Nordoom”, o primeiro vampiro de sempre.
“Boa noite.
Daqui a uma semana, por coincidência,
comemora-se o Halloween, aquela festa pop onde os habitantes das sombras invadem
os centros comerciais e tiram fotografias ao jeito d’A Família Addams.
…
Não é dessa visão cor-de-rosa de que vos
venho falar.
Há quem rejeite a ideia literária do
vampiro, mormente, por ser incapaz de não se colocar do lado da vítima, do lado
de onde se imagina a dentada, o sangue, o grito, o escuro, o medo e onde o
vampiro tem, inevitavelmente, um papel repulsivo.
Mas não haveria nos animais que matamos
para comer uma expetativa de agonia semelhante, se nos puséssemos no seu lugar?
Alguma literatura e principalmente muito
cinema e artes gráficas mais cruas ou sensacionalistas têm sedimentado essa
questão da alimentação dos vampiros.
Mas voltemos a nós, não seremos muito
mais do que apenas seres que se alimentam?
Não amamos, não brincamos, não
debatemos, não sofremos, só comemos?
Não serão, em paralelo, os vampiros
muito mais do que insaciáveis predadores?
Da obra AGB muito se pode dizer e
contar.
Esta coincidência, porém, de me ter especializado,
enquanto historiador anualista, no ano de 2004 e ocorrer, justamente, nesse
mesmo ano o acontecimento mais importante do milénio no mundo dos vampiros,
tinha de ser celebrada.
O encontro milenar é o momento em que a
Tena (o cérebro da comunidade vampírica) recebe, num só espaço, todos os
vampiros do mundo. Entre muitas outras, serve para se proporem alterações biológicas às estirpes,
para os clãs se conhecerem, para os mais novos conhecerem o seu próprio mundo e
serve mesmo, no caso dos clãs mais dispersos, para rever familiares e amigos. É, portanto, momento de grande intensidade e importância e festa.
Mas onde estão, afinal, esses vampiros
que nós não vemos?
De onde vieram?
Para comemorar, então, esta reunião de
interesses achei que o melhor seria dedicar-me à resposta destas 2 perguntinhas
que agora mesmo enunciei e que repito:
Onde estão esses vampiros que nós não
vemos?
De onde vieram?
Para chegar a Nordoom, o primeiro
vampiro, e porque a cronologia de eventos entra em completa desarmonia com a
nossa visão oficial do mundo, precisamos de ir um pouco mais longe no tempo e
nas realidades.
No livro AGB, os deuses são vistos como
figuras reais que navegam eternamente pelo universo, estudando-o, conhecendo-o, mas interferindo muito pouco ao seu
redor, na maioria das vezes indiferentes ao próprio universo e até têm nomes
que são iguais aos de algumas mitologias humanas.
(Apresento, no terceiro capítulo do
livro, algumas propostas de explicação do porquê de os deuses serem tão
semelhantes, até nos nomes, aos das nossas mitologias.)
Continuando…
Na mitologia da AGB, Odin é um titã de
vidro, com uns espantosos 8 metros de altura, que conduz uma nave espacial chamada
Olimpo (de onde vem o nome da sociedade que a habita, os olímpicos), em forma de plataforma cónica
rochosa, tendo, no topo, 3 enormes palácios luminosos, tudo protegido por um
transparente ovo inquebrável, dimensionalmente inquebrável.
Odin é, nesta organização mitológica, o deus dos deuses, já
que é quem decide a rota de navegação e, em última análise, quem aprova os
rumos de tudo o que é importante no Olimpo.
Nesses palácios vive o divino povo
olímpico, inteiramente dedicado ao lazer, ao prazer e ao saber. Com a
observação de Odin, cada palácio encontra-se situado em altitudes diferentes,
sendo que para cada uma há um guia espiritual, Zeus, na ala norte, Poseidon, na
ala centro, e Hades, na ala sul.
Durante tempos imemoriais foi assim. Odin,
viciado na procura do novo, levou o seu povo por todos os cantos do universo;
conheceram quase todas as galáxias, os buracos negros, os poços de Madra, os
universos estáticos, mas o cosmos sempre foi maior do que a imaginação, mesmo a
dos deuses.
Assim vagabundeia o
Olimpo, a única nave autossuficiente do universo, conduzido por Odin, não sendo
uma nave no conceito imediato de algo construído, mas uma simbiose entre uma criatura mineral celeste, habitada pelos deuses, e um sistema controlado de navegação.
Um bioplaneta passível de ser conduzido como uma nave.
A dada altura Odin apercebeu-se de um
rasto peculiar e único no desenho do céu cósmico. Em contraste com os tons
monótonos da maioria dos rastos celestes, neste encontravam-se impensáveis
combinações de cor, textura e temperatura. Porém, antes até de ter cimentado a
sua singularidade, a trajetória do rasto encontrado foi o que, inicialmente,
atraiu a atenção de Odin.
Ao contrário da errância dos corpos
celestes, cujos percursos vão sendo redefinidos conforme as leis da atração
universal, o rasto observado mantinha intocável (salvo pequenos desvios
no contorno de obstáculos) uma linha de rota milimetricamente inalterada,
incompreensivelmente longa no espaço e no tempo, dando a Odin a sensação de
objetivo definido, de alvo desejado, denotando intenção e inteligência.
Como poderia um corpo celeste, um mero
aglomerado gaso-geológico ter inteligência? Seria como o Olimpo: semimotorizado, semirrochoso, semivivo?
Odin reuniu os 3 governantes do Olimpo,
Zeus, Poseidon e Hades e, uma vez que nunca houve objetivos definidos na sua
eterna viagem cósmica, decidiram seguir, durante algum tempo, a linha colorida
que atravessava a noite eterna do espaço, quanto mais não fosse, para descobrir
o que lhe estaria por trás… ou pela frente.
Após alguma observação matemática, tudo
levava a crer que a linha que cruzava o céu astral teria surgido no quadrante Lohgit, a zona mais antiga do cosmos, dirigindo-se a uma das secções mais recentes desta
dimensão universal, a Via Láctea.
O facto de haver alguma coisa a
percorrer o interior de aproximadamente 85.000 galáxias sem desviar o seu rasto
do que parecia um objetivo muito bem delineado ativou a curiosidade de Odin,
bem como de toda a comunidade olímpica.
Assim se aproximaram de uma zona marginal
desta dimensão universal, a chamada dimensão orbitável, e descobriram nela um
sistema planetário, o nosso, em redor de uma só estrela chamada Sol. O rasto
dirigia-se para um planeta específico onde, após algumas investigações, Odin descobriu
um curioso dinamismo emocional provocado por criaturas mortais que o habitavam,
nós.
Na identificação da vida desse planeta
chamado Terra, os habitantes do Olimpo encontraram uma forma singular de
existência com potencial para ser uma das maiores fontes energéticas alguma vez
imaginada. A capacidade de entrega, devoção e credulidade da espécie humana, então
ainda na infância da sua existência na Terra, produzia de forma espantosamente
inesgotável uma desconhecida fonte energética, baseada em emoções que, pela sua
intensidade, poderia ainda acrescentar novas dimensões ao Olimpo.
Assim começou a relação dos deuses com o
ser humano, tendo Odin decidido estacionar na Terra, mas sem prazo, coisa
de imortais.
Em troca da devoção ritualizada que os
humanos lhes dedicavam (através das festividades que lhes consagravam e que se
traduziam por grandes concentrações de transferência energética emocional), os
deuses escolhiam momentos em que o próprio planeta e as suas naturais e reais
catástrofes dificultassem a vida humana. Então intervinham suspendendo as leis
naturais necessárias ao alívio da vida, os milagres.
Durante milénios, a energia, que
os seus divinos corpos absorviam da vitalidade da emoção humana, permitiu aos
deuses uma experiência da realidade completamente nova, de tal forma cativante
e circular que viciou o Olimpo. Os deuses esqueceram as suas funções no
universo e tiraram umas férias, inebriados pelo facto de estarem a viver um
intenso e inesgotável mundo emocional, essa outra força na vontade vital que
não é a razão, mas que com ela convive. O planeta foi divido entre o mundo intraterrestre (entregue a Hades, que preferia sempre cenários menos observados), o mundo terrestre (dominado por Zeus) e o mundo aquático (governado por Poseidon).
Os deuses tiraram férias, mas os humanos
não e, pouco a pouco, foram evoluindo. Nessa evolução descobriram que a curiosidade
e a racionalidade eram as suas caraterísticas mais evidentes e então começaram a
fazer perguntas sobre tudo, pondo até em causa a necessidade da existência
divina. No início nem todos decidiram suspender a crença, alguns mantiveram-se fiéis,
sustentando até nessa mesma racionalidade a importância olímpica.
Porém, o passar dos tempos fez crescer
substancialmente o número de descrentes.
Um dia a energia começou a falhar e o
Olimpo entrou em estado morno.
A torneira que jorrava emoções passou a
pingar emoções.
Apercebendo-se, imediatamente, da
convulsão que a falta de energia humana já estava a provocar no seio olímpico, Odin
convoca toda a comunidade no simbolicamente conhecido por Consílio do Calor e propõe: ou dar mais
tempo aos humanos para se reconciliarem com os deuses, reforçando, para isso, a
ação divina na realização de milagres desejados nas preces, mais
personalizados, ou então, abandonar o sistema solar e voltar, como sempre
fizeram, a errar pelo espaço.
A primeira hipótese, confiante na
reconciliação, foi maioritariamente encarada como uma opção viável, afinal os
deuses são eternos, não têm problemas de tempo, não há nenhuma necessidade em
considerar, o que quer que seja, uma urgência. Os humanos teriam, assim, uma
segunda hipótese de reconciliação na garantia da proteção divina.
Quando o consenso no Olimpo parecia
inevitável, eis que três vozes em uníssono propuseram uma outra leitura dos
acontecimentos. Hades, Atena e Hércules viam no comportamento humano uma
traição. Atena, a porta-voz do trio, sublinhava o facto de estarem a ser humilhados
por criaturinhas mortais, que muito lhes deviam; quantas e quantas vidas não se
teriam perdido, não fora a intervenção divina no suavizar das catástrofes
universais.
Atena defendeu inflamada uma terceira
opção, reivindicando o direito à vingança, devolvendo às pessoas, de uma só assentada,
todos os cataclismos que ao longo dos tempos ficaram suspensos graças à
intervenção divina. Com a sobrevivência em causa, o desespero humano
encontraria novamente nos deuses o único conforto, sendo certo o seu regresso à
crença, mas desta vez, porém, caberia aos deuses a definição do contrato. A
capacidade argumentativa de Atena e a admiração que o povo olímpico sempre
nutriu por Hércules, um dos seus meninos de ouro, quase atenuou a presença
imunda e selvagem de Hades, levando até um grupo de deuses a aderir à sua
causa.
Contudo, Poseidon, irmão e opositor
declarado de Hades, sublinhou a irracionalidade infantil deste trio galvanizante
e conseguiu, com o apoio também de Zeus e dos seus, derrotar o, ainda assim, já
significativo número de apoiantes dessa terceira via.
O Consílio do Calor decidiu, assim, por
uma maior presença divina no quotidiano humano, esperando que os seres humanos
retribuíssem com o renovar da crença.
Sentindo a derrota como uma humilhação, Hades,
Atena e Hércules reuniram-se logo após o palácio de Odin ter ficado deserto e
delinearam um plano.
Atena deu então à luz uma filha
simultânea de Hades e Hércules, uma divindade a que chamaram Tubarinora.
Hades deu-lhe a capacidade de se
movimentar interdimensionalmente e instruiu-a da missão de vaguear pelos
universos paralelos até encontrar a partícula genética que criasse o pesadelo
final do ser humano. (Sobre a Tubarinora e o seu fim, leiam o sétimo capítulo
do livro.)
Uma vez na posse dessa partícula, a
Tubarinora concretizou-se em forma humana para engravidar a mulher que daria à
luz Nordoom, o primeiro, e que seria também a sua primeira vítima.
Aquando da fecundação, a Tubarinora criou
um incidente genético através do qual, acumulando a sabedoria de Atena, a indestrutível
força de Hércules e o poder mental de Hades, transformou a criança num ser
física e intelectualmente superior ao ser humano e incontornavelmente antropofágico.
Na solução final deste malvado trio, os vampiros que de Nordoom descenderiam alimentar-se-iam dos seres humanos até à
sua extinção. Depois, não podendo viver sem alimento acabariam também por desaparecer, dando lugar, neste novo cenário limpo, ao cenário ideal para o
surgimento de uma nova espécie, quiçá menos racional e só emocional, desejavelmente submissa, crente e devota.
O plano acabou por ser descoberto, que
nisto dos deuses também é difícil guardar segredo.
Odin, então, não querendo eliminar os
vampiros, que considera inocentes neste processo, mas não podendo deixá-los a viver
em simultâneo com os seres humanos, os seus protegidos, aborda diretamente
Nordoom e, a pedido deste, isola-o e à sua ninhada num complexo de bolsas intraterrestres
de tamanho continental, deixando a Nordoom a gestão de apenas 7 portas de
acesso ao mundo da superfície. Apenas 7 portas espalhadas por esse planeta foram
o suficiente para que os vampiros pudessem sair para se irem alimentando de
sangue humano.
Uma delas era perto de Sorrento, na Itália."
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